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26 fevereiro 2012

Fraternidade e saúde pública

O texto aqui reproduzido foi publicado na edição de sexta-feira (24/02) do jornal Correio Braziliense. Nela, Frei Betto comenta o tema que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a Campanha da Fraternidade deste ano.

Convém ler com atenção e depois refletir a respeito do valor dado à saúde em nosso país.

Tudo de bom!


Harold



Fraternidade e saúde pública
Frei Betto 

O título deste artigo é o tema da Campanha da Fraternidade 2012, promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Iniciada na quarta-feira de cinzas, a campanha se estende até o domingo de Páscoa e tem como lema um versículo do livro do Eclesiástico: “Que a saúde se difunda sobre a Terra” (38, 8).

Saúde e tradição cristã estão intimamente associadas. Nos evangelhos, Jesus prima por curar física, psíquica e espiritualmente. Ao longo da história ocidental, a Igreja se destacou como provedora da saúde. De sua iniciativa surgiram os primeiros hospitais, sanatórios e, no Brasil, Santas Casas de Misericórdia. 

Os bispos reconhecem os avanços da saúde no Brasil, como a redução da mortalidade infantil (na qual a Pastoral da Criança, iniciativa da dra. Zilda Arns, desempenha papel fundamental). Em 1980, eram registrados 69,12 óbitos por mil nascidos vivos. Em 2010, o índice caiu para 19,88. 

A expectativa de vida no Brasil apresenta evolução significativa nas últimas décadas. Em 2008, a esperança de vida dos brasileiros, ao nascer, chegou a 72 anos, 10 meses e 10 dias. A média entre homens é de 69,11 anos e, entre mulheres, 76,71. 

De 1980 a 2000, a população de idosos cresceu 107%, enquanto a dos jovens de até 14 anos apenas 14% (Ministério da Saúde, 2011). Em 1980, as crianças de até 14 anos correspondiam a 38,25% da população e, em 2009, representavam 26,04%. Entretanto, o contingente com 65 anos ou mais de idade pulou de 4,01% para 6,67% no mesmo período. Em 2050, o primeiro grupo representará 13,15%, ao passo que os idosos ultrapassarão os 22,17% da população total.

A melhoria, no Brasil, das condições de vida em geral trouxe maior longevidade à população. O número de idosos já chega a 21 milhões de pessoas. As projeções apontam para a duplicação desse contingente nos próximos 20 anos, ou seja, ampliação de 8% para 15%. Porém, o percentual de crianças e jovens está em queda. Uma das causas é a diminuição do índice de fecundidade por casal, que, em 2008, caiu para 1,8 filho, o que aproxima o Brasil dos países com as menores taxas de fecundidade. 

Como a mortalidade infantil ainda é alta em relação aos melhores indicadores (19,88/1.000), verifica-se a preocupante diminuição percentual da faixa etária mais jovem. Portanto, impactante transição demográfica está em curso no país. 

O consumismo e a falta de educação nutricional mudam, agora, o padrão físico do brasileiro. O excesso de peso ou sobrepeso e a obesidade explodiram. Segundo o IBGE, em 2009, o sobrepeso atingiu mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade; cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos; 48% das mulheres; 50,1% dos homens acima de 20 anos. Em suma, 48,1% da população brasileira estão acima do peso e 15% são obesos. 

Trata-se de verdadeira epidemia. As famílias estão substituindo a alimentação tradicional na dieta do brasileiro (arroz, feijão, hortaliças) pela industrializada, mais calórica e menos nutritiva, com reflexos no equilíbrio do organismo, podendo resultar em enfermidades como o descontrole da pressão arterial e o diabetes. 

Apesar dos avanços, a Campanha da Fraternidade considera o SUS um “caos, sobretudo perante os olhos dos mais necessitados de seus serviços”. Dados do IBGE mostram que o gasto com a saúde representou 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2007. Do total registrado, 58,4% (R$ 128,9 bilhões) foram gastos pelas famílias, enquanto 41,6% (R$ 93,4 bilhões) ficaram a cargo do setor público.

Nos países ricos, 70% dos gastos com saúde são cobertos pelo governo e apenas 30% pelas famílias. O orçamento da União para a saúde, em 2011, foi de R$ 68,8 bilhões. Desse total, somente R$ 12 bilhões foram investidos na atenção básica à saúde por meio de programas do Ministério da Saúde.

Cerca de 150 (78% da população) milhões de brasileiros dependem do SUS para ter acesso aos serviços de saúde. Pois não têm o privilégio da parcela de 40 milhões que pagam planos privados de saúde, com medo da ineficiência do SUS. “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus (João 10, 10). Se assim não ocorre, resta-nos fazer de nosso voto e cidadania pressão e exigência de uma nação saudável.