Posto o comentário de Neusa Barbosa, articulista do CineWeb, do Jornal Estado de São Paulo. Ela escreveu sobre o filme A fita branca, de Michael Haneke, que estréia hoje nos cinemas brasileiros. Creio que é útil fazer esta leitura.
Harold
Indicado ao Oscar, A fita branca revê raízes dos nazismo
Produção ganhou a Palma de Ouro em Cannes, é favorita ao Oscar de filme estrangeiro e disputa fotografia
SÃO PAULO - Com o drama "A Fita Branca", o diretor Michael Haneke ("Caché", "Violência Gratuita") conquistou a Palma de Ouro em Cannes 2009 e duas indicações para o Oscar 2010 - filme estrangeiro e fotografia, aliás, um excelente trabalho em preto-e-branco do renomado Christian Berger.
Parceiro habitual do cineasta, Berger visitou São Paulo no final do ano passado, ministrando um workshop durante a Mostra Internacional de Cinema. O filme entra em circuito nacional.
A história, de autoria do próprio Haneke, ambienta-se numa pequena aldeia alemã, no princípio do século 20, pouco antes do estouro da 1.ª Guerra Mundial. A placidez do lugar na verdade, não passa de aparência. Este pequeno mundo isolado, que parece viver segundo uma série de regras morais e religiosas, está corrompido no seus sentimentos e valores mais profundos.
Os primeiros sinais são claros. O médico local (Rainer Bock) sofre uma grave queda do cavalo depois que alguém esticou um fino fio metálico entre duas árvores, no seu caminho para casa. Gravemente ferido, ele corre risco de morte, ficando seus filhos aos cuidados da parteira local (Susanne Lothar).
O incidente, que parece isolado, multiplica-se em outros - como a morte aparentemente acidental de uma lavradora a serviço do barão (Ulrich Tukur, de "Amém"), o mais poderoso proprietário rural da região, de quem praticamente todos os camponeses dependem para trabalhar.
O filho da lavradora reage, acreditando que o barão é culpado pela morte da mãe, destruindo sua larga plantação de repolhos. Logo mais, mesmo crianças, como Sigi (Fion Mutert), filho do barão, e Karli (Eddie Grahl), o filho da parteira, que sofre de síndrome de Down, são vítimas de violências.
Um conjunto de episódios que choca a comunidade, muito rígida e estruturada na moral protestante, sob a liderança de um pastor (Burghart Klausner, de "O Leitor").
O único a destoar do padrão de comportamento local é o jovem professor primário (Christian Friedel), que veio de uma aldeia perto dali. Espécie de voz sutil da razão, ele é também o único a estranhar a liderança exercida por Klara (Maria-Victoria Dragus), filha mais velha do pastor, sobre as demais crianças do lugar.
Não é difícil perceber o quanto essas crianças são oprimidas por uma educação severa e cruel, que as submete a dolorosos castigos físicos, obrigando-as a um respeito absoluto pela hierarquia, que não lhes permite qualquer opinião ou comentário sobre coisa alguma. O machismo dominante exerce um peso ainda maior sobre meninas e mulheres.
Nessa pequena comunidade, chama a atenção também a aparente distância de uma Justiça organizada. O poder político é exercido pelo mesmo barão que domina a região economicamente e mantém em suas terras as mesmas relações medievais de trabalho existentes há séculos. Mesmo a polícia fica de fora, a não ser quando os eventos criminosos tornam-se frequentes demais para continuarem a ser abafados.
Não é difícil enxergar aqui uma fábula sobre as raízes do nazismo, que em poucas décadas tomaria conta da Alemanha, seguindo os mesmos monstruosos princípios da justiça com as próprias mãos contra os alvos tidos como "culpados" por algum tipo de ruptura da ordem social tida como ideal - bem como a busca da eliminação dos mais fracos e dos deficientes.
De qualquer modo, "A Fita Branca" pode ser visto como uma crítica profunda a vários tipos de autoritarismo. Por isso, é o tipo de filme para o qual espectadores atentos poderão encontrar diversas interpretações.
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