Pesquisar este blog

04 setembro 2007

O sangue da flor









Uma saudação de de alegria eu dedico às pessoas que visitam este blog. É verdade que não o atualizo com freqüência. Faço mea-culpa. Procurarei ser eficiente neste item.

O texto que publico hoje já foi, anteriormente, postado. Foi escrito há dez anos para homenagear Diana Spencer, falecida em Paris, no dia 31 de agosto de 1997, num acidente automobilístico. Sua morte causou comoção mundial por causa das circunstâncias. Ela e o namorado Dodi Al Fayed tentavam fugir da curiosidade e das lentes dos fotógrafos paparazzi nas ruas de Paris. O acidente foi inevitável.
Este fato me indignou. Não tive a intenção de escrever sobre uma princesa. A homenageada era, na verdade, uma mulher lutando pelo direito de viver em paz. Mas nem sempre é fácil convencer as outras pessoas de que o direito à privacidade é algo sagrado. Boa leitura!
Aroldo José Marinho


O sangue da flor
Aroldo José
Já faz um certo tempo que um poeta brasileiro,
Sem dúvida, o maior e o melhor de todos,
Prestou homenagem ao homem do povo:
O genial Chaplin, o vagabundo.


E como disse, já faz um certo tempo.
E agora outro poeta esforçado,
Não tão iluminado quanto o grande Drummond,
Ergue sua voz em honra de outra personalidade britânica


Ao saber que veio a notícia
de que morreu uma princesa,
Uma mulher que procurava a felicidade.
Alguém que queria ser um simples alguém.



Mas eis que a tranqüildade é vã
E que surge alguém atrás da melhor pose.
Niguém quer saber sua opinião:
"-- Posso fotografá-la senhora?"
"Paparazzo", "paparazzi", papagaio!
"-- Lá vai ela!"
"-- Atrás dela!"
"-- A melhor pose é de quem chegar primeiro."


A bela só queria ser feliz,
Ter um amor verdadeiro.
Mas a vida é assim:
Por amor se morre,
Pela fofoca se mata.
Assim é a vida.


Então ela fugiu.
Mas para toda borboleta bonita
Que voar neste jardim,
Haverá um monte de caçadores,
Colecionadores da vaidade,
Jardineiros da flor da morte.


Oh mulher! E o seu sangue fica espalhado pela rua,
Sua face exprime sofrimento.
Alguns gritarão o seu nome incessantemente,
A flor ferida, a flor despedaçada.
Todavia os abutres pensarão sobre o quanto é belo
Registrar o sofrimento da flor.
Quanto sangue,
Quanto perfume,
Que pose bonita ela empresta ao sofrimento.


E sua beleza é contemplada pela insensatez.
Talvez este lamento seja invalidado
Por opiniões sobre ir e vir,
Entrar e sair das vidas alheias


Ela era apenas uma mulher.
Apesar de tudo,
Apenas uma mulher.
Porém ninguém quer saber da mulher,
O mito é maior.


Assim é o mundo do fim do século:
Registrar a vida é preciso.
É um serviço público,
Mesmo que isso atrapalhe o viver alheio.


Nossas vidas, pobres vidas.
Grandes espetáculos jornalísticos,
Propriedades públicas.
Pessoas viram imagens
E imagens não têm direito ao respeito,
Não têm dignidade.


Por fim, a morte!
A flor deixou de enfeitar o jardim,
Ninguém sabe o que aconteceu.
Tudo tão rápido,
velocidade ultra-máxima,
Destroços... sangue... morte...
A flor em pedaços...


Agora é hora de chorar,
Os espinhos machucaram a flor.
Porém o mais importante para os construtores da notícia,
É poder registrar a perda do sangue,
A perda do encanto,
A perda da vida.


Passou o tempo, a flor virou semente
E foi plantada no fundo dos eu quintal.
o mundo viu a flor-princesa descer ao solo.
A lágrima era real,
Outras flores cobriram a eterna morada da flor-mulher.


Para cada flor que fenece,
Nasce outra flor noutro jardim.
Tão bela quanto a anterior,
Talvez até mais bela.


Mas, mesmo com o desencanto,
O espanto,
O assombro,
A foto indiscreta não disfarçará
A dignidade humana,
O direito de felicidade de toda mulher


Belém, 19/09/97
Para Diana Spencer