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23 julho 2011

Os caminhos da batuta

Segue outro texto de Nahima Maciel referente à atuação dos maestros da cena brasiliense. A publicação original foi impressa na edição de hoje do jornal Correio Braziliense (http://impresso.correioweb.com.br/html/sessao_56/2011/07/23/interna_noticia,id_sessao=56&id_noticia=186352/interna_noticia.shtml).

Destaco no texto a participação de Joaquim França (o primeiro à esquerda na foto). Assim como eu, ele nasceu em Macapá, no Amapá. Também foi meu professor na escola de músia Walkyria Lima.

Harold


Os caminhos da batuta
Nahima Maciel

Levantar a batuta é gesto leve e delicado. Às vezes, pode ser enfático, outras vezes, beira a timidez e tudo isso diz muito sobre quem empunha o objeto. Mas uma coisa é comum a todos: quem sobe ao pequeno pódio em frente à orquestra tem dom natural para liderança e talvez seja essa a primeira qualidade necessária a um maestro eficiente. A segunda é saber que a trajetória é longa e o destino, incerto. Há aspirantes demais para orquestras de menos no planeta e esse obstáculo pode se tornar intransponível: sem músicos para reger, o maestro se torna uma figura inútil.

A maestrina Isabela Sekeff, regente do coro Cantus Firmus, gosta de dizer que seu instrumento é um conjunto de 40 vozes. Joaquim França cita Eleazar de Carvalho para lembrar ser a batuta a condutora de um código de sinais e Claudio Cohen, regente da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), enfatiza a postura de articulador político entre o leque de características de um maestro.

O pódio não acontece por acaso na vida de um músico. Nem naturalmente. Na maioria dos casos, é um destino traçado meticulosamente ao longo de anos de estudo e prática. “O músico que tem vontade de ser regente é um músico com posição de liderança que quer avançar nessa posição”, avalia Cohen. Ele mesmo passou pelos cargos de spalla e regente assistente antes de assumir a batuta da sinfônica. A formação passou longe da universidade. Foi no palco que Cohen aprendeu a reger. Primeiro, com Silvio Barbato, depois, com aulas particulares de maestros convidados a se apresentar com a orquestra em Brasília. “E com quatro duros anos de estudos com Emílio de César”, completa.

Cohen não estudou música na universidade — é formado em direito —, mas começou as aulas de violino aos cinco anos e nunca parou.  “O que o regente precisa é ter a vivência, a experiência da orquestra. Sempre tive a prática, o tempo todo.” No Brasil, ele acrescenta a necessidade de o regente ser também uma figura política.

“Nas orquestras brasileiras, se o maestro não tem força política, não consegue resultados, não avança. As grandes estruturas internacionais têm papéis bem definidos e o maestro só rege. Eu não posso me dar ao luxo de só subir ao palco e reger.”

O que faz o maestro

Dá o andamento da música. Ele também indica as entradas para os instrumentistas da orquestra.

O que fazer para ser maestro

1 Estudar em curso superior de música na área de regência. O curso dura em média cinco anos

2 Dominar conhecimentos musicais teóricos (harmonia, solfejo, percepção harmônica, rítmica e melódica

3 Tocar algum instrumento ou exercitar algum tipo de canto

4 Exercer a liderança

5 Estudar relações humanas

6 Fazer concurso público para comandar uma sinfônica.

Maior interesse na academia

O texto que segue abaixo foi publicado na edição impressa do jornal Correio Braziliense (http://impresso.correioweb.com.br/html/sessao_56/2011/07/23/interna_noticia,id_sessao=56&id_noticia=186351/interna_noticia.shtml). Tematiza os maestros que atuam em Brasília.

Aroldo José Marinho

Maior interesse na academia 
Nahima Maciel

Professor de regência na Universidade de Brasília (UnB) e com um acúmulo de mais de 10 anos dedicados à formação, o maestro David Junker acha indispensável a passagem pela academia. “Logicamente que o curso universitário não é suficiente, mas no ambiente acadêmico você tem estruturas desenvolvidas para cada um dos estágios da formação.” Junker está à frente de três corais — Coro Comunitário da UnB, Madrigal UnB e o coral da Igreja Metodista da Asa Norte — e não vê muita diferença entre reger vozes ou instrumentos. “A formação inicial é a mesma”, avisa. E a demanda na área do canto é maior em Brasília. Há duas décadas na UnB, ele vê com certo entusiasmo o aumento da procura pelo curso. São seis anos de formação e uma média de 20 alunos por semestre, metade do número de aspirantes que procuram a especialidade.

Felipe Alaya é um deles. Ele quer ser maestro desde os 15 anos, quando começou a cantar em um coral e passou a ajudar o regente. Hoje, aos 20, está a meio caminho do curso da UnB. “O poder que o maestro tem nas mãos de levar outras pessoas a interpretarem a música me seduziu”, conta. Poder é uma palavra associada à função com certa frequência. Faz parte do mito, cultivado especialmente no século 19, quando surgiu a figura do maestro em resposta à necessidade de controlar as grandes orquestras sinfônicas formadas por mais de 80 músicos.

Antes, as formações eram menores e costumavam ser regidas pelo primeiro violino. A hierarquia virou coisa séria e quase ditatorial quando a batuta estava nas mãos de lendas como Arturo Toscanini e Herbert von Karajan. “Mas as coisas mudaram”, aponta Claudio Cohen. Posturas mais conciliatórias se tornaram tendência no século 21. “Um maestro tem que entender muito de relações humanas e não pode ser autoritário”, acredita David Junker. A única coisa que ainda não virou tendência é a presença de mulheres.

Sedução

Isabella Sekeff tem algumas teorias para tal ausência e uma delas é a dificuldade em conciliar a vida de regente e a família. Inúmeras vezes ela ouviu a filha apontar a profissão da mãe como causa de as duas não passarem mais tempo juntas. A cultura é outro fator. “É uma questão de tradição. É uma posição de grande autoridade, o maestro tem um poder e isso é muito ligado ao homem.

A mulher fica mais com esse lado que executa. Não acho que seja machismo, porque esse termo é pejorativo. É cultural mesmo.” Isabella percebeu o gosto pela regência quando tocava clarineta na Orquestra de Senhoritas. Daí para reger corais foi muito rápido.

Uma tendinite impossibilitou a prática da clarineta,  ela foi reger um coral de crianças e há 20 anos criou o Cantus Firmus. “Apesar da técnica de regência de orquestra e coral serem muito parecidas, o repertório é diferente e as pessoas do coral não são necessariamente músicos”, repara.

“O instrumentista se expressa através do seu instrumento e meu instrumento é o coral. A voz me seduz muito.”

A ideia de tornar reais os sons imaginados na cabeça também seduziu Joaquim França. Ele trocou a Macapá natal por Brasília em 1988 porque queria ser maestro e não havia orquestras no Amapá. Entrou para a UnB quando Claudio Santoro ainda era vivo, mas o compositor já estava morto quando França chegou à disciplina de regência.

As aulas eventuais com maestros convidados que passavam pela cidade ajudaram a corrigir os inúmeros erros e, em 1995, França foi convidado para reger a Orquestra Jovem de Brasília, mais tarde transformada em Orquestra Filarmônica.

Com Eleazar de Carvalho, um dos nomes mais importantes da história da regência no Brasil, ele aprendeu o sentido da prática: “Reger é como se você estivesse desenhando a música com o gestual para o músico entender”.

Por ser gestual, França recomenda até mesmo o estudo em frente ao espelho. Não para burilar questões estéticas, mas para exercitar a precisão. E não há fórmulas.

Alguns regentes conseguem dar o recado com gestos minimalistas, outros se descabelam, suam e parecem exageradamente espalhafatosos. Aí está a parte mais humana do pequeno pódio, ainda que a música saia com perfeição divina. Cada corpo é diferente e cada regência é fruto da individualidade que pode fazer da música um prazer sublime ou um completo desastre.


Silvio Barbato


Claudio Cohen, atual maestro da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, se iniciou na regência com o maestro Silvio Barbato (1957-2009). Barbato (foto) dirigiu a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro por duas vezes, de 1989 a 1992 e de 1999 a 2006. Estudou composição e regência com Claudio Santoro, na Universidade de Brasília. Em 2001, ele recebeu o Grande Prêmio Cinema Brasil por seu trabalho como diretor musical do filme Villa-Lobos, uma vida de paixão, dirigido por Zelito Vianna. Silvio Barbato morreu no acidente do Airbus da Air France, em 1 de junho de 2009.

14 julho 2011

José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada

A postagem que segue, abaixo, originalmente, foi publicada no portal R7 (http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/), na edição do dia 13/07.

Boa leitura!

Harold 

José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada


serra abilio diniz 450 José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada
No final da noite de terça-feira (12), ao ler o noticiário sobre o fracasso de Abilio Diniz, 71 anos, na tentativa de fusão do Pão de Açucar com o Carrefour no Brasil e o artigo "A ética do vale-tudo" publicado por José Serra, 69 anos, na página de opinião de O Globo, apareceu-me na cabeça uma palavra pouco usual para definir os dois personagens: onipotência. Neste caso, a onipotência derrotada.

Duas definições que encontrei com a ajuda do dr. Google:
* No Dicionário Informal _ onipotência: s.f. todo poder, poder absoluto, todo-poderoso.
* No Dicionário Web _ onipotência: s.f poder supremo ou absoluto; o poder de fazer tudo.

Os dois achavam que nasceram para ser os maiorais, cada um em sua área. Filhos de pequenos comerciantes - Serra, de um feirante; Diniz, de um padeiro - eles acreditaram no destino e jogaram suas vidas para alcançar os mais altos objetivos.

Desde pequeno, José Serra já dizia às suas tias que queria ser presidente da República. Abilio Diniz em algum momento da vida achou que poderia transformar a padaria e confeitaria do pai no ponto de partida para dominar o comércio varejista mundial de alimentos.

Serra optou pelo mundo acadêmico e, antes de se tornar um político profissional, engajou-se na luta contra a ditadura que o levou a um longo exílio. Abilio sempre foi empresário e dedicou todo seu tempo a alastrar seu império de lojas para se tornar o maior supermercadista do país, depois de uma longa disputa familiar, e da conquista, sempre por meios beligerantes, dos seus principais concorrentes.

O político elegeu-se deputado federal, senador, prefeito e governador do Estado de São Paulo, sempre abandonando os mandatos pelo meio para chegar mais rapidamente ao seu objetivo maior, a Presidência da República. Foi também ministro do Planejamento e da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Perdeu sua primeira eleição presidencial para Lula, em 2002; a segunda, para Dilma Rousseff, apoiada por Lula, em 2010.

O empresário, que quase faliu no final dos anos 1990 do século passado, salvou-se ao se associar ao grupo francês Casino. Em 2005, vendeu ao grupo francês o controle acionário do Pão de Açucar, que entregaria em 2012, mas nunca se conformou em perder o comando. Diniz veio daquele mundo em que só há dois tipos de gente: quem manda e quem é mandado.

Por isso, resolveu dar o grande golpe de mestre da sua vida: reaver o controle do Pão de Açucar-Casino com a compra do Carrefour, utilizando para isso U$ 2 bilhões do BNDES, quer dizer, de um banco público.

Apresentados desta forma rápida e singela os dois personagens da onipotência derrotada, vamos ver o que aconteceu nesta fatídica terça-feira, 12 de julho de 2011, em que ambos, após tantas conquistas, bateram no fundo do poço.

Vamos começar pelo ex-governador de São Paulo. Os amigos de José Serra, se é que ele ainda os tem, deveriam ficar preocupados com o artigo que ele escreveu no jornal O Globo. No tijolaço que ocupa de alto a baixo o lado esquerdo da página 7, no mesmo estilo tucano-barroco de um acadêmico que escreve todo dia no jornal, Serra joga a toalha.

Mais parece o epitáfio de um político perdedor. Da primeira à última linha, o velho político é incapaz de lançar uma proposta original para o país, qualquer ideia nova, uma utopia, um sonho que seja, como fez Marina Silva na semana passada, ao deixar o PV.

É só porrada em Lula, em Dilma, nos governos e práticas do PT num texto pobre em conteúdo e capenga na forma (repete duas vezes a palavra "malfeitos" nos três primeiros parágrafos), em que repete os mesmos argumentos da sua derrotada campanha de 2010.

Vou dar um exemplo. Só José Serra entre os professores tucanos ainda é capaz de escrever coisas como no parágrafo reproduzido abaixo:

"Depois de um ano da primeira eleição de Lula (leia-se: e da minha primeira derrota para Lula), analisando o que já se delineava como estilo de governo, qualifiquei o esquema partidário petista como uma espécie de bolchevismo sem utopia, em que a ética do indivíduo é substituída pela ética do partido".

Acho que nem na Albânia se escreve mais essas coisas. É triste. Ao contrário do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que chega aos 80 anos de bem com a vida e ares de vencedor, cercado de amigos e homenagens, o político José Serra ficou falando sozinho. Parece ter envelhecido mal, perdido o bonde no fim do caminho.

Nem o PSDB o leva mais a sério. Depois de perder para Aécio Neves e Tasso Jereissati todos os cargos que almejou na recente disputa interna dos tucanos, teve que se contentar com a presidência de um até então inexistente Conselho Político que inventaram para ele.

Na semana passada, convocou a primeira reunião em Brasília, e levou pronto um texto desancando Dilma, Lula, o PT e o governo para os outros assinarem. Ninguém concordou, alegando que precisavam consultar primeiro o senador Aécio Neves, ausente da reunião. Serra acabou publicando o texto, muito parecido com o do artigo de O Globo, em seu próprio blog, como se fosse o pensamento oficial do partido.

Em Paris, para onde viajou sozinho e de peito aberto para enfrentar os inimigos franceses do Casino em seu próprio território, Abilio Diniz tomou a maior surra da sua vida: por unanimidade, os conselheiros do grupo francês rejeitaram sua proposta de compra do Carrefour no Brasil.

Antes da reunião, o BNDES, por ordem da presidente Dilma Rousseff, já havia avisado que tiraria qualquer apoio à operação se Diniz não se entendesse com os sócios franceses. Abilio, como Serra, ficou falando sozinho, dependurado na brocha.

Sem perder a pose, segundo o relato da sempre brilhante correspondente Deborah Berlinck, de O Globo, encarou de bom humor os repórteres ao encontrá-los na saída da reunião:

"Não, não estou chorando na calçada. Fizemos uma reunião do conselho e vamos ver o que vai acontecer".

Aconteceu que Abilio Diniz aprendeu tarde demais que ninguém pode achar que pode tudo, nem ele. Talvez pensasse nisso quando o encontrei umas duas semanas atrás na arquibancada de uma festa junina promovida na quadra do colégio onde seus filhos pequenos e minhas netas iriam se apresentar numa dança de quadrilha.

Sentou-se a meu lado com a jovem e bonita mulher. Não conversou com ela, não cumprimentou nem falou com ninguém, não sorriu nenhuma vez. Ficou o tempo todo com o olhar fixo no horizonte. Achei que alguma coisa estranha estava acontecendo com o grande empresário. Vai ver que ele já estava prevendo o desfecho trágico desta história.

Assim como Abilio não virou o dono do mundo, Serra também não será presidente da República do Brasil na marra, xingando os adversários, só porque ele acha que está mais preparado para isso do que os outros _ se é que o PSDB vá cometer o desatino de concorrer novamente com ele.

Em tempo: Se o caro leitor conhecer alguma história semelhante, por favor, escreva para nós. A área de comentários do Balaio está de portas abertas.

13 julho 2011

Dia mundial do ROCK

Hoje é dia de comemorar o e velho rock'n'roll, a música que toca nossos corações. Isso mesmo! Desde 1985, o mundo inteiro faz festa para esta sagrada música. Naquele ano, foi realizado o Live Aid. 

Capitaneados pelo irlandês Bob Geldof e pelo escocês Midge Ure,  os mais importantes músicos do gênero fizeram shows memoráveis nos estádios Wembley, em Londres, e  John F. Kennedy, na Filadélfia.

Compareceram ao evento, aproximadamente, 82,000 pessoas, na Inglaterra, e, em torno, de 99,000 pessoas pessoas no estádio norte-americano. A renda foi destinada às vítimas da fome que devastava a Etiópia. 

Dadas as explicações históricas, segue a minha homenagem. Longa vida ao rock!!!! 

Harold


Led Zeppelin- Rock' n' roll

04 julho 2011

Poeminha filosófico

Segue poema do jornalista Flávio Tavares. Gaúcho de Lageado, ficou famoso por fazer oposição à ditadura implantada no Brasil em 1964. Militou em organizações de esquerda, ligadas à luta armada. Preso três vezes (1964, 67 e 69) foi libertado com outros 14 prisioneiros, em setembro de 69, em troca da vida embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick e exilado no México

Neste país trabalhou no jornal Excelsior. Em 1974, foi correspondente do jornal na Argentina e também dos brasileiros Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Numa visita de trabalho ao Uruguai, em julho de 1977, foi sequestrado pelos militares responsáveis por reprimir as ações em favor da democracia. Ficou detido durante 195 dias. Graças a uma campanha internacional, Tavares foi libertado, indo morar em Lisboa. Retornou ao Brasil em 1979, com a anistia.

O poema aqui postado foi escrito quando o autor esteve no cárcere da ditadura uruguaia.

Harold



Poeminha filosófico
Flávio Tavares
Hoje sou o que penso
que teria sido
se houvesse vivido o que pensei ser,
não o que fui.

Hoje não estou preso
nem derrotado nem sozinho.
Na minha parede há grades
e não há paredes no meu mundo.
Hoje sou o que penso ser,
não o que sou.

Sou um eu que não está comigo
nem mais pode ser eu,
porque não estando onde estou
vivo cheio de coisas
que não habitaram outrora
o que eu pensei de mim.

Hoje penso que não penso nada do que penso
nem do que busquei, engendrei,
desfiz, ultrajei, construí ou vivi.
A vida é geometria tangente
que me saúda nas margens,
sem pó nem suor,
só com a minha vontade
de que tudo houvesse acontecido
como nos sonhos pensados
ou nos ritmos passados do que não fiz.

Hoje penso que sou
nada mais do que quis,
somente tudo
do que agora penso.
Hoje penso que sou Fernando Pessoa
e que morri adulto e lúcido
em 1935, um ano depois de ter nascido.

(Cárcel Montevideo, 27/06/1977)

02 julho 2011

Irmã Dulce: uma biografia

A Irmã Dulce (foto) foi batizada  Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, baiana de Salvador, nasceu em 26/06/1914, numa família de classe média. Filha de um professor universitário e dentista, sempre foi uma pessoa piedosa e devotada a santo Antônio.

Ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição (SMIC), em 1932. Devotada à caridade, começou sua obra ocupando um barracão abandonado para abrigar mendigos.  Uma das suas mais notáveis iniciativa é o hospital Santo Antônio, com  capacidade para atender setecentos pacientes e duzentos casos ambulatoriais. Outra é o Centro Educacional Santo Antônio (CESA), que recebe mais de trezentas crianças de 3 a 17 anos. No CESA, os jovens têm acesso a cursos profissionalizantes.

A saúde frágil nunca lhe impediu de levar seu apostolado adiante. Porém, em 1990, os problemas respiratórios foram os responsáveis pela internação da freira. Na condição de enferma recebeu, em 20/10/91, a visita do papa João Paulo II.
 
Sua partida para a eternidade aconteceu, ao 77 anos, no dia 13/03/92. Seu corpo foi sepultado no alto do Santo Cristo, na Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia e depois transferido para a Capela do Hospital Santo Antônio, centro das Obras Assistenciais Irmã Dulce.

Como atitude de respeito, segue a  oração oficial dedicada à venerada Dulce dos Pobres!

Aroldo José Marinho

ORAÇÃO À IRMÃ DULCE
Senhor Nosso Deus.
Recordando a vossa serva Dulce Lopes Pontes, ardente de amor por vós
e pelos irmãos, nós vos agradecemos pelo seu serviço a favor dos pobres e dos excluídos.
Renovai-nos na fé e na caridade. E concedei-nos a seu exemplo
vivermos a comunhão, com simplicidade e humildade, guiados pela doçura do Espírito de Cristo.
Bendito nos séculos dos séculos. Amém.

Se não fosse a irmã Dulce

No dia 23/05 foi realizada a audiência do processo que movi contra a empresa Tim no Juizado Especial Cível de Brasília. No mês anterior houve uma audiência de conciliação, bem parecida com as que são exibidas no Fantástico. A proposta inócua da empresa me fez seguir adiante na causa. Novamente, eu enfrentaria, de forma definitiva, a multi-nacional italiana nas barras da lei.

Por algum motivo que não lembro, botei na cabeça que 14:00 era o horário da audiência. Estava despreocupado quando, às 12:00, reli o documento onde era informado  o horário correto: 12:30. E mais, lá estava escrito que, se eu perdesse o horário da audiência, teria meu processo encerrado e arcaria com todas as despesas do mesmo. 

Desesperado, corri para a estação de metrô, localizada a 200 metros do local onde eu estava. Cheguei, peguei o trem no maior desespero. De repente, lembrei que, no dia anterior à audiência, houve a cerimônia de beatificação da irmã Dulce, lá em Salvador (BA). Vi uma parte da cerimônia  na transmissão da rede Vida. Lembrei de ter ouvido alguém dizer que a religiosa tudo confiava a santo Antônio e que sempre colhia muitas graças.

Então, humilde e nervosamente, dentro do trem, pedi para a Irmã Dulce interceder para que, mesmo atrasado, eu não perdesse o processo. pedido feito, procurei me acalmar. Cheguei na estação de destino, desci e saí correndo na direção do juizado. Chegando lá, ouço uma oficial de justiça chamar meu nome completo. Me apresentei. Ela disse que aquela era terceira e última chamada. Emocionado, não me contive, disse para ela: "Foi a Irmã Dulce!"

Para minha surpresa, a pessoa representante da Tim chegou depois de mim. A audiência transcorreu num clima de calma. Na sentença proferida, o merítissimo juiz, acolheu a minha argumentação,. Resultado: ganhei a causa!!!!

Saí de lá muito contente que, logo cheguei no computador, comuniquei minha vitória no Twitter, lembrando de enfatizar a intercessão  poderosa e vitoriosa de irmã Dulce. Aliás, agora não é mais correto chamá-la de Irmã Dulce. Por isso, refaço a citação: Bem Aventurada Dulce dos Pobres!

Por isso, com alegria e muito agradecimento no coração, escrevi este texto.  A postagem seguinte apresentará a biogaafia de tão fascinante e digna pessoa.

Aroldo José Marinho

01 julho 2011

Passarinho

Transcrevo aqui o beló poema escrito por Sophia Jares. Essa autora paraense, que dita o blog www.sophiajares.blogspot.com, sabe tocar os corações das pessoas que amam as situações autênticas.


Beijos e vida!

Harold


Passarinho

Sophia Jares
Passarinho,


te guardei na gaiola mais acolhedora;


te dei carinho, te dei comida e te dei amor.


Relutastes muito em ficar, mas parece que o tempo te mostrou que aqui é o teu lugar.


Mas, passarinho,


tens um jeito de dar medo,


quando foges em segredo, para no ouvido d'outras cantar;


depois disso, voltas correndo, com Cara de bobo, para nosso ninho.


Sempre que escuto teu canto de outras varandas,


passarinho,


eu me pego a chorar.


Nunca te passou pela cabeça,


passarinho,


que um dia eu posso não estar a te esperar?


Voa, passarinho,


vai cantar em mais outro lugar;


você tem livre arbítrio e eu não posso te segurar.


Vai, passarinho, voa,


que um dia eu vou fechar a janela,


pra você nunca mais entrar.

Ouvidos de orvalho

O escritor gaúcho Fabrício Carpinejar (foto) é, sem dúvida, nenhuma, uma figura. Foi essa impressão que ele me passou nas duas vezes em que pude vê-lo no Programa do Jô. Não há como enquadrá-lo no time dos caras normais. Pelo menos, dentro do ponto de vista burguês. Ele está fora das convenções sociais aceitáveis. Que digam as unhas da sua mão esquerda.

Esse poeta, nascido em Caxias do Sul, tem berço literário. É filho dos poetas Carlos Nejar e Maria Carpi. Aqui se explica a origem do seu nome originalíssimo. Seu livro de estréia, As solas do sol, foi lançado em 1998.

Além do ofício literário, esse mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalha como jornalista.  Desde maio, é colunista do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, herdeiro da vaga antes ocupada por Moacyr Scliar (a quem tive a honra de conhecer).

O texto que segue abaixo é aprte integrante livro Biografia de uma árvore, lançado pela editorda Betrand Brasil em 2002. 



Harold

Ouvidos de orvalho

Fabrício Carpinejar



(...) Somos fumaça e cera,


limo e telha,


névoa e leme.


O inverno nos inventou.


 Não importa se te escuto




ou se explodes meus ouvidos de orvalho:


morre aquilo que não posso conversar?




Ficarei isolado e reduzido,


uma fotografia esvaziada de datas.


Os familiares tentarão decifrar quem fui


e o que prosperou do legado.


Haverei de ser um estranho no retrato


de olhos vivos em papel velho.




Escrevo para ser reescrito.


Ando no armazém da neblina, tenso,


sob ameaça do sol.


Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.


Depois de morto, tudo pode ser lido. (...)

No lugar do oba, oba, serenidade

Quando estou sem assunto para escrever no blog, costumo recorrer à ajuda externa e peço para uma ou outra pessoa sugerir algum tema. Desta vez, ouvi duas. Uma sugeriu que eu escrevesse sobre Kim Petras (foto). Outra, me propôs tematizar Carla Díaz. Sugestões ouvidas e aceitas, botei a cabeça para funcionar. Nesta postagem, escreverei sobre Petras. Noutro momento, me ocuparei com Díaz.

Aceitei escrever mas tive vergonha de parecer um sujeito desatualizado. Por isso, não perguntei para quem sugeriu o tema nada sobre Kim Petras.  Vai que todo mundo sabia quem é a pessoa, menos eu. O jeito foi recorrer a um famoso site de busca.

Escrevi lá o nome de Petras e, junto com a foto que ilustra esta postagem, um monte de informações vieram. Fiquei sabendo que Kim Petras, de 18 anos, é uma cantora da cena pop alemã. Porém não foi por causa do talento musical que Petras ficou famosa. O motivo foi um fato que a fez merecer atençãor de boa parte do mundo não é artístico. Kim, que nasceu em 27/08/92 e recebeu o nome de Tim, aos 16 anos se tornou a pessoa mais jovem a fazer cirurgia de ressignificação sexual. Traduzindo: fez cirurgia para mudar de sexo e é o mais jovem transsexual do mundo. 

Na pesquisa que fiz percebi que muitos sites, sobretudo os especializados em fofocas ou notícias picantes, comentaram à exaustação a notícia da cirurgia de Petras. Escreveram muitas coisas, a maioria, inúteis. Porém a minha formação de psicólogo me faz ir na contra-mão das publicações sensacionalistas. Minha abordagem  enfoca a pessoa de Petras com base nas informações sobre a cirurgia, em si, e os componentes éticos nela implicados.  

O caso de Petras tem uma peculiaridade. Seus pais ao perceberem a identificação de Tim com o sexo oposto, permitiram que o menino começasse, ao 12 anos, o tratamento hormonal para alterar o sexo. E mais, ajudaram para que o filho, aos 14, conseguisse modificar seu registro civil. Juridicamente, foi nesse momento que Tim deu lugar para Kim. O passo seguinte, a cirurgia, ocorreu quando tinha 16. 

A sua situação causou um certo embaraço à justiça alemã. De acordo com a legislação do país, o tratamento hormonal só é permitido às pessoas que sejam maiores de idade. Porém Tim, na firmeza dos 12 anos, conseguiu convencer a equipe médica de que era necessário fazer a cirurgia e assumir uma nova identidade.

Parece que, no fim das contas, tudo acabou bem. Kim se sente feliz com a nova identidade, os pais também. Porém a discussão não se esgota com a felicidade geral. Olhando as coisas pelo prisma da família Petras, tudo parece tão fácil. Todavia cabe aqui fazer uma perguntas: será que submeter uma pessoa menor de idade a uma cirurgia de ressignificação sexual é um procedimento adequado? 

A reposta é delicada. Não dá para padronizá-la. É verdade que a adolescência é um período de descobertas sociais, algumas são firmes e límpidas, outras, cheias de hesitações. Também vale lembrar que, há situações nas quais as decisões tomadas pelos adolescentes envolvem mais a emocionalidade do que a racionalidade. Será que o episódio de Petras pode ser enquadrado neste contexto?

Do ponto de vista da Psicologia, não é sensato submeter adolecentes à decisões tão definitivas. Os médicos que cuidaram de Petras foram convencidos por um menino de 12 anos. Talvez este seja um caso particularíssimo. Segundo eles, a pessoa atendida tinha uma determinação evidente. É uma exceção. Mas a atuação da ciência deve ser pautada pela observância da regra e não pela exceção. Não se pode oferecer um serviço para a sociedade baseado somente em situações particularíssimas.

Se o caso de Kim Petras tivesse acontecido no Brasil, certamente, teria outro desfecho. A lei não permite que a cirurgia de ressignificação sexual seja realizada em pessoas que tenham menos de 21 anos. Parece que assim se consegue um grau razoável de entendimento para que seja possível ajudar a pessoa que requer a cirurgia, através do acompanhamento de psicólogos, médicos e outros profissionais de saúde, a tomar uma decisão que, posteriormente, não seja motivo para frustração ou arrependimento.

Este tema gera um amplo debate, o que, ao meu ver,  é positivo. Pontos de vistas favoráveis ou contrários são sempre bem vindos, desde quem expressem abordagens tranquilas e responsáveis, desprovidas de sensacionalismo. Em vez de prestar atenção nas especulações bobas, melhor enfatizar as opiniões vindas da ciência ou da área jurídica. No lugar das insinuações que beiram a pornografia, privilegiar as reflexões que resguardam a dignidade humana.

Se for assim, o caso Kim Petras será uma grande contribuição para o debate que se faz sobre as questões de gênero. Então, os argumentos e as atitudes serão recebidos com a tranquilidade que deveria fazer parte de tudo que diz respeito à dignidade humana. 

Aroldo José Marinho