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04 julho 2011

Poeminha filosófico

Segue poema do jornalista Flávio Tavares. Gaúcho de Lageado, ficou famoso por fazer oposição à ditadura implantada no Brasil em 1964. Militou em organizações de esquerda, ligadas à luta armada. Preso três vezes (1964, 67 e 69) foi libertado com outros 14 prisioneiros, em setembro de 69, em troca da vida embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick e exilado no México

Neste país trabalhou no jornal Excelsior. Em 1974, foi correspondente do jornal na Argentina e também dos brasileiros Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Numa visita de trabalho ao Uruguai, em julho de 1977, foi sequestrado pelos militares responsáveis por reprimir as ações em favor da democracia. Ficou detido durante 195 dias. Graças a uma campanha internacional, Tavares foi libertado, indo morar em Lisboa. Retornou ao Brasil em 1979, com a anistia.

O poema aqui postado foi escrito quando o autor esteve no cárcere da ditadura uruguaia.

Harold



Poeminha filosófico
Flávio Tavares
Hoje sou o que penso
que teria sido
se houvesse vivido o que pensei ser,
não o que fui.

Hoje não estou preso
nem derrotado nem sozinho.
Na minha parede há grades
e não há paredes no meu mundo.
Hoje sou o que penso ser,
não o que sou.

Sou um eu que não está comigo
nem mais pode ser eu,
porque não estando onde estou
vivo cheio de coisas
que não habitaram outrora
o que eu pensei de mim.

Hoje penso que não penso nada do que penso
nem do que busquei, engendrei,
desfiz, ultrajei, construí ou vivi.
A vida é geometria tangente
que me saúda nas margens,
sem pó nem suor,
só com a minha vontade
de que tudo houvesse acontecido
como nos sonhos pensados
ou nos ritmos passados do que não fiz.

Hoje penso que sou
nada mais do que quis,
somente tudo
do que agora penso.
Hoje penso que sou Fernando Pessoa
e que morri adulto e lúcido
em 1935, um ano depois de ter nascido.

(Cárcel Montevideo, 27/06/1977)

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