Nestes dias estive revisando meu arquivo de poemas e encontrei este escrito há nove anos. Antes de lhes oferecer para a leitura e comentário, devo informar que nunca fui fã da pessoa aqui homenageada. Ao contrário, sempre olhei com um certo distanciamento para sua imagem. Não me inspirava confiança. Porém um fato trágico acontecido com ela, me indignou. Não agüentei e escrevi este texto em sua honra. Como cidadão não quis ficar indiferente à sua dor.
Façam suas leituras e deixem seus comentários. De hoje em diante, me comprometo a responder as coisas escritas por vocês.
Beijos e saúde!
Harold
O sangue da flor
Aroldo José
Já faz um certo tempo que um poeta brasileiro,
Sem dúvida, o maior e o melhor de todos,
Prestou homenagem ao homem do povo:
O genial Chaplin, o vagabundo.
E como disse, já faz um certo tempo.
E agora outro poeta esforçado,
Não tão iluminado quanto o grande Drummond,
Ergue sua voz em honra de outra personalidade britânica
Ao saber que veio a notícia
de que morreu uma princesa,
Uma mulher que procurava a felicidade.
Alguém que queria ser um simples alguém.
Mas eis que a tranqüildade é vã
E que surge alguém atrás da melhor pose.
Niguém quer saber sua opinião:
“-- Posso fotografá-la senhora?”
“Paparazzo”, “paparazzi”, papagaio!
“-- Lá vai ela!”
“-- Atrás dela!”
“-- A melhor pose é de quem chegar primeiro.”
A bela só queria ser feliz,
Ter um amor verdadeiro.
Mas a vida é assim:
Por amor se morre,
Pela fofoca se mata.
Assim é a vida.
Então ela fugiu.
Mas para toda borboleta bonita
Que voar neste jardim,
Haverá um monte de caçadores,
Colecionadores da vaidade,
Jardineiros da flor da morte.
Oh mulher! E o seu sangue fica espalhado pela rua,
Sua face exprime sofrimento.
Alguns gritarão o seu nome incessantemente,
A flor ferida, a flor despedaçada.
Todavia os abutres pensarão sobre o quanto é belo
Registrar o sofrimento da flor.
Quanto sangue,
Quanto perfume,
Que pose bonita ela empresta ao sofrimento.
E sua beleza é contemplada pela insensatez.
Talvez este lamento seja invalidado
Por opiniões sobre ir e vir,
Entrar e sair das vidas alheias
Ela era apenas uma mulher.
Apesar de tudo,
Apenas uma mulher.
Porém ninguém quer saber da mulher,
O mito é maior.
Assim é o mundo do fim do século:
Registrar a vida é preciso.
É um serviço público,
Mesmo que isso atrapalhe o viver alheio.
Nossas vidas, pobres vidas.
Grandes espetáculos jornalísticos,
Propriedades públicas.
Pessoas viram imagens
E imagens não têm direito ao respeito,
Não têm dignidade.
Por fim, a morte!
A flor deixou de enfeitar o jardim,
Ninguém sabe o que aconteceu.
Tudo tão rápido,
velocidade ultra-máxima,
Destroços... sangue... morte...
A flor em pedaços...
Agora é hora de chorar,
Os espinhos machucaram a flor.
Porém o mais importante para os construtores da notícia,
É poder registrar a perda do sangue,
A perda do encanto,
A perda da vida.
Passou o tempo, a flor virou semente
E foi plantada no fundo do seu quintal.
o mundo viu a flor-princesa descer ao solo.
A lágrima era real,
Outras flores cobriram a eterna morada da flor-mulher.
Para cada flor que fenece,
Nasce outra flor noutro jardim.
Tão bela quanto a anterior,
Talvez até mais bela.
Mas, mesmo com o desencanto,
O espanto,
O assombro,
A foto indiscreta não disfarçará
A dignidade humana,
O direito de felicidade de toda mulher.
Belém, 19/09/97
Para Diana Spencer