Parece que foi ontem. Mas aconteceu na terça-feira, dia 19 de abril, quase 14 horas. A rede Globo interrompeu a edição normal do jornal Hoje para transmitir direto do Vaticano, onde os cardeais estavam reunidos no conclave para escolher o sucessor de João Paulo II.
Percebi que havia muita expectativa e fumaça branca no ar, sinal de que um novo pontífice tinha sido escolhido. Não deu outra, o cardeal chileno Mendez Medina ocupou a tribuna para proferir, em latim, a frase tão esperada: Habemus Papam!
Para suceder o papa polonês foi anunciado o alemão Joseph Ratzinger, cardeal bastante conhecido por vários teólogos e especialistas em assuntos católicos. Ratzinger recebeu a cátedra com o nome de Bento XVI. Fim da expectativa para muitos católicos. Fim do conclave iniciado no dia anterior.
Segundo a imprensa, não houve surpresa na eleição do cardeal nascido na Baviera e, por causa de sua defesa da ortodoxia católica, conhecido como o 'Rothweiller do Vaticano'. Foi publicado que ele era o grande favorito para a eleição; que representava a continuidade do pontificado de João Paulo II, principalmente, no campo da moral e da ética.
Os fiéis presentes na praça de São Pedro vibraram com o anúncio feito pelo cardeal Mendez Medina. Mas será que a alegria sentida na praça foi compartilhada ao redor do mundo? A simpatia, como se sabe, nunca foi o forte do cardeal Ratzinger. Ao contrário, sua atuação à frente da Congregação para a Propagação da Fé (o antigo Santo Ofício, organismo famoso por causa da inquisição acontecida na idade média) sempre causou polêmica e ressentimento. Sua figura sempre inspirou respeito, cautela e desconfiança.
Mas muita coisa mudou. Ratzinger virou papa. Em lugar do decano dos cardeais, o mundo terá que conviver com o herdeiro d difícil tarefa de suceder João Paulo II, o papa peregrino, que conquistou carinho e reverência em todos os cantos do planeta. O que terá passado na cabeça do cardeal alemão no momento em que sua eleição foi confirmada no conclave?
Difícil responder. Acredito que, de certo modo, a vida de Ratzinger, anterior à sua eleição, terá que desaparecer. Como cardeal de influência na Cúria, ele tomou atitudes e fez afiramações que irritaram diversos grupos de católicos, de cristãos ecumênicos, de não cristãos, de feministas, de ativistas das minorias sexuais e assim por diante. Como cardeal ele podia comprar várias brigas. Talvez isto fizesse parte das atribuições do cargo que exercia.
Contudo a coisa mudou. Agora ele é o papa, o pai do povo católico. Uma coisa é brigar com metade dos católicos. Outra é ser artífice da unidade deste grande povo. Se antes, Ratzinger podia esbravejar contra o mundo contemporâneo, Bento XVI não pode separar o rebanho.
Parece que ele entendeu isto. Tanto é que, em seus pronunciamentos, tem defendido a maior aproximação dos católicos com os demais cristãos; também frisou a importância do trabalho dos teólogos. Na cerimônia de sua entronização, o novo pontífice falou de como é importante o diálogo com as grandes religiões e, no último primeiro de maio defendeu a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Enfim, o papa assumiu posições que poucas pessoas imaginariam sair da boca de Ratzinger. O que mudou afinal?
Antes de tentar responder, me permito fazer uma comparação banal. Considerando o item carisma, João Paulo II era uma pessoa inconteste. Assim também é o presidente Lula. Porém o mesmo não se pode dizer de Ratzinger e de José Dirceu. Os dois últimos são homens de gabinete, das conversas reservadas, do uso da articulação política como arte, etc; que não se sentem bem quando estão no meio da multidão. No caso de Dirceu, com exceção do mandato para deputado federal, ele nunca foi o tipo de político que cativa o eleitorado.
Creio que já deu para perceber aonde quero chegar com a explanação do parágrafo anterior. Imagine se Lula, por algum motivo, tivesse que abandonar o posto de estrela maior do Partido dos trabalhadores (PT) e fosse substituído por José Dirceu. Será que este daria conta do recado? Será que a massa petista daria para ele a consideração dispensada ao líder metalúrgico? Sinceramente, duvido que ele seria vitorioso na missão.
É mais ou menos dessa forma que me parece que foi pintado o quadro da sucessão papal. Será que o sucessor alemão conseguirá dar continuidade á obra do seu antecessor? Ou será que sucumbirá ao carisma de Woytila? Difícil saber. Só o tempo dirá!
Como sou católico, vou rezar para que o pontificado de Ratzinger seja conhecido como um marco positivo na história da igreja católica em sua relação com a catolicidade, com as igrejas cristãs, com as grandes religiões e com as situações vindas do mundo contemporâneo. É verdade que a atuação anterior do atual papa não serve como estímulo para este tipo de pensamento. mas não se pode ficar olhando toda hora para o passado e, além disto, a esperança é uma característica tipicamente cristã.
Aroldo José Marinho