O texto que segue abaixo foi escrito por Syanne Neno. Ela é uma das mais competentes jornalista esportiva do estado do Pará. Quando morava em Belém, dava gosto abrir o caderno de esportes para ler as crônicas escritas por ela.
No texto que segue, Syanne fala com reverência e carinho de duas figuras expressivas à alma paraense: um santo e um time.
Vale a pena e se emocionar.
Tudo de bom sempre!
Aroldo José Marinho
O Papa e o Papão
“Querido papa, eu sou aquela garotinha de short vermelho e camiseta branca que deu adeus pro senhor, na porta da Assembléia Paraense. Queria lhe pedir pra falar com papai do céu e pedir pro meu time voltar a ser campeão daqui. Ele não ganha título há um tempão! Obrigada, papa.”
A carta foi escrita em 1980, logo depois da visita de Karol Wojtyla a Belém. A autora da singela carta foi uma garotinha, na época com 8 anos, que teve a doce ilusão de ser reconhecida e lembrada pela maior autoridade religiosa mundial. Ora bolas, como o papa poderia esquecer “aquele” short vermelho e “aquela” camiseta branca que vestiam a pessoinha mais “importante” entre as milhares que estavam na rua vendo o papa passar? Entreguei a carta à minha irmã, com a promessa que ela chegaria ao Vaticano. Se chegou ou não, o que importa é que meu pedido foi atendido. O Paysandu daquele ano voltou a fazer a garotinha de camiseta branca sorrir e assim gastar menos chutes nas canelas dos moleques do colégio, que insistiam em lhe tirar do sério com encarnações.
Exatos vinte e cinco anos depois, o papa se foi. Se não era um santo, era quase e como tal, deve ter ido diretinho pro tal céu que nós, os católicos, aprendemos a visualizar. Não precisou de nenhum acerto de contas para repousar finalmente de uma longa e angustiante batalha pela vida. No dia seguinte, por uma dessas prazerosas coincidências que motivaram esse texto, o Paysandu era novamente campeão paraense depois de dois anos e meio sem saber o que é um título. E fiquei eu, aqui a lembrar, do tal dia em que a garotinha de short vermelho fez o papa conhecer o Papão da Curuzu através de uma carta.
Minha irmã não lembra se chegou a enviar a cartinha para o Vaticano, mas hoje, eu tenho certeza que sim. Se o indefectível tabu e a perda do jogo para o Boca nos fazem duvidar que Deus é bicolor, o Deus dos gramados, o profano, tão invocado por Nelson Rodrigues em suas crônicas, ahhh, esse é ahhh, esse é bicolor de quatro costados de asinhas. Afinal, mesmo com um título insosso, conseguido graças à ineficiência de um atacante adversário com nome de inseto, fez-se justiça no Mangueirão.A equipe com 8 pontos de vantagem em cima do rival, a de melhor elenco, foi a campeã! E a garotinha, que já não tem 8 anos, mas continua acreditando em sonhos embrulhados em papel, hoje tem essa história pra contar.