A Maracatu Brasil virou referência como loja e escola de bateria e percussão, mas hoje em dia também oferece cursos de outros instrumentos...
Eu gosto muito do lance da Maracatu. Foi uma forma de pegar um pouco do dinheiro que eu ganhei com o Barão e devolver para a música mesmo. É uma coisa que me fez abrir a cabeça. A minha educação musical sempre foi ligada ao rock, aquela coisa americana, então essa abertura e descoberta da Maracatu, do lado brasileiro da música, fez bem para a minha formação e é uma coisa que eu gostaria muito de manter por 10, 20 ou até 30 anos. Mas também não quero carregar uma cruz, uma coisa que não dê certo financeiramente, só pra ter aquilo. É uma coisa que tem que se manter por si própria. Se isso acontecer, se a gente conseguir esse equilíbrio, eu quero que dure por muito tempo.
Nós começamos com bateria e percussão, abrimos para outros instrumentos agora no segundo semestre e temos uma escola de música mesmo. É um lugar onde se privilegia o músico atuante, que sabe ensinar e ao mesmo tempo está no mercado de trabalho, gravando, acompanhando artistas e tocando na noite. Acho essa diferença fundamental para alunos que queiram se profissionalizar, pois terão a experiência do professor para orientá-los e prepará-los para o melhor e o pior. O mundo da música profissional é muito disputado e concorrido.
Eu também saí de uma escola de música, a Pró-Arte, onde eu, Maurício, Frejat e Dé estudávamos. Essa coisa do ambiente da escola de música me agrada muito. Ver grupos reunidos para tocar e trocar informações sobre música e quem sabe até formar a primeira banda, é uma coisa muito boa e que pode acontecer aqui e em todas as escolas de música.
Você pretende ampliar ainda mais esse projeto com filiais em outros estados?
Poderia até fazer se alguém tivesse interesse em abrir em outro lugar e se isso trouxesse dinheiro para melhorar o nosso centro. Aí eu faria numa boa! Mas, a princípio, nunca recebi nenhum convite real e a Maracatu mudou um pouco o percurso. Ela começou como loja. Eu comprava muita coisa americana. Hoje em dia não compro mais nada, só trabalho com instrumentos usados e consignados. Foi uma forma de sair um pouco dessa ciranda capitalista, de ter que pagar boleta bancária, ficar girando dinheiro. Amanhã eu tenho 15 mil de conta pra pagar, “porra, vambora, vende essa porra aí, não tá vendendo bateria não?” Uma loucura que eu passei durante uns dois, três anos e que consegui me livrar sem arranhões. É muito desesperador... Ter um negócio no Brasil é muito difícil. O governo é o único que leva dinheiro pra casa, independente de você estar fudido ou não, ele vem pegar a parte dele, então é complicado. Agora com essa abaixada de bola, a gente está trabalhando mais a parte dos cursos. O estúdio de gravação também está em grande atividade e é uma forma de tocar alguns projetos musicais usando as leis de incentivo.
No momento estou gravando um cd com o João de Aquino, um violonista de samba da escola do Baden Pawell. Ele já tocou com o Barão na faixa “Vale Quanto Pesa”, do “Álbum”, onde foi indicado pelo Peninha, que já o conhecia. Encontrei com ele seis, oito anos depois da gravação e ele disse que queria tocar comigo. Aí nós viemos pro estúdio, começamos a tocar, só violão e bateria, curtimos, e resolvemos gravar esse CD, que é comemorativo dos seus 60 anos. Esse é o primeiro CD de música brasileira em que gravei como baterista e ritmista, porque só me chamam pra tocar rock, o que eu acho um absurdo! No Brasil, gostam muito de te rotular, então esse CD com o João de Aquino vai ser importante pra quebrar esse gesso que o mercado fonográfico acaba colocando nos músicos.
A maioria dos fãs do Barão associa a imagem de vocês ao rock’n’roll, quando, na verdade, é visível que todos têm outras preferências musicais e realizam fora da banda trabalhos distintos do rock. Fale um pouco sobre isso.
O rock tem um defeito, ele é um estilo de música muito xiita, às vezes pra quem faz e pra quem consome também. Têm alguns segmentos muito mais fechados... É o caso do heavy metal, do hardcore, que se não é aquilo que o cara está acostumado a ouvir, o resto é uma merda, não presta. Demorei muito tempo pra entender e lutar pra quebrar isso, mas também estou na minha hora certa.
Aprendi a tocar bateria na estrada. Estudei um pouco no início com meu primeiro mestre, Joca Moraes, que admiro e convivo até hoje, e fui pra estrada. Dei sorte de fazer parte de uma banda de sucesso, trabalhei bem pelo Brasil todo. Você cresce à vista do público. O cara te vê ali naquela semana, aí daqui a um mês ele te vê tocar de novo, e melhor que na semana passada. É muito feio um baterista chegar num lugar que está rolando só samba e não puder tocar porque não sabe tocar samba, não sabe tocar jazz ou não sabe tocar ritmos latinos... Hoje em dia eu toco de tudo, encaro qualquer um. Se o cara chegar pra mim, “quer tocar bateria e gaita?”, eu vou lá e toco. Não tem mais aquele medo, “caralho, o que eu vou tocar com esse cara? Vou me fuder!”. Consegui derrubar todos os muros de Berlim que cercavam a minha música e o meu espírito. As fronteiras sumiram e hoje eu chego e simplesmente toco.
A sua participação no Gungala é um exemplo disso?
Sempre que posso estou perto do Peninha! O som do Gungala é um tipo de música que não tive muito contato, a música latina, mas eu já tenho maturidade pra tocar qualquer estilo de música, então, aos poucos, vou me adaptando e aprendendo a me colocar bem nas situações musicais que vamos criando. Pra mim é bom esse exercício. É uma banda espetacular de música latina e estou muito feliz de participar. Ali está muito do Peninha, todos os arranjos e a parte de invenção e escolha do repertório são dele.
Vocês vão lançar CD?
Sugeri para ser um DVD, acho que é melhor. Parece que é o Fernando quem vai lançar pela T-REC. Sugeri lançar um DVD porque já que vai ser uma performance ao vivo, seria mais legal ter a imagem. A gente já está ensaiando aqui na Maracatu.
No Gungala está a cabeça inventiva do Peninha, aquela mistura do latino com o rock, com o hip hop... Acho que é muito importante pra ele registrar isso, para as pessoas verem de perto qual é a dele. A banda é dele, é ele quem manda. Quem está ali, está tocando pra ele e também para o público, é claro!
Os outros músicos que tocam na banda já eram conhecidos seus?
Alguns deles. O Cesinha, irmão do Peninha, que é o timbaleiro, já tocou com o Barão em 1990, na turnê do “Na Calada da Noite”, e gravou o “Balada MTV”. Conhecia também o Paulinho, vocalista, que é filho do Peninha. O resto da rapaziada estou conhecendo agora.
Esse DVD ao vivo deve ser gravado onde e quando?
A gente deve escolher alguma casa de show do Rio para gravar. Mas isso só depois da gravação do MTV Ao Vivo do Barão, em agosto.
E o repertório do Gungala, como vocês escolhem?
É o Peninha quem escolhe, ele decide tudo. Tem as composições dele, mas tem algumas regravações, como “Comida”, dos Titãs, em versão latina. Tem também uma versão sensacional de “Manguetown”, do saudoso Chico Science e Nação Zumbi, em que o Frejat canta, que tem um arranjo muito bom com direito aos metais do Serginho Trombone. Mas também tem uma parte autoral deles, que é meio hip hop. O grupo é ótimo, tem muita força e em breve será um grande sucesso.
Fale um pouco da sua participação no grupo de percussão Lascamão.
O Lascamão foi uma descoberta fantástica. Fui procurado por um percussionista baiano, o Orlando Costa, pra fazer um grupo só de tambor. Eu, como músico de rock, nunca havia encarado a bateria como “um tocador de tambor”. Sempre fui o baterista de uma banda de rock. Quando você sai da banda, você é apenas um baterista e a bateria é um conjunto de tambores, então passei a encarar de forma diferente. Quando o Orlando me chamou pra fazer um grupo só com voz e tambor, achei interessante, porque a idéia dele era misturar percussionistas de diversas áreas e fazer uma mistura inédita.
Aí juntamos um grupo de 15 percussionistas, marcamos um ensaio aqui e fomos tocar. Mas era muita gente e com os ensaios algumas pessoas começaram a cair fora do barco. No final, ficaram seis: eu, na bateria, Robertinho Silva, que na minha opinião é o melhor baterista do Brasil, na outra batera e percussão, o Orlando Costa, o Marcos Esguleba, que toca na banda do Zeca Pagodinho, o seu Carlos Negreiros, que é um mestre do afro-brasileiro, e o Pedro Lima, que é o nosso pandeirista. A gente convocou duas pessoas pra cantar, o Mário Broder e a Analimar, filha do Martinho da Vila. Foi uma coisa impressionante gravar com esses caras, altamente feras, da elite da percussão brasileira. O desafio pra mim nisso foi que sempre fomos eu e o Peninha, e de repente eu tava tocando com mais seis percussionistas, então tive que estar bem esperto pra não me derrubar no grupo e saber dialogar com os outros instrumentos.
Outra coisa importante foi gravar um disco independente. Saíamos do estúdio, dividíamos todas as contas por oito, pagava R$ 20,00 de estúdio, R$ 10,00 da van e R$ 10,00 da merenda coletiva. A gente fez o CD todo assim, foi uma coisa muito boa. Agora a gente está tentando negociar. O Antoine Midani, que mixou o CD primorosamente, o levou pra Europa para apresentar pra alguns selos e gravadoras de lá. Esse trabalho do Lascamão está mais para o exterior. Dentro do grupo temos vários professores, então a gente pode fazer shows e oficinas.
No Lascamão, também achei um baú de tesouros rítmicos do Brasil. É a herança afro que os portugueses deixaram pra trás. Levaram diamante, ouro, madeira e o caralho, mas deixaram essa riqueza da percussão brasileira. É o CD mais brasileiro que já ouvi! Pega a tradição e a coloca atual e disponível até para as rádios, pois o grupo é super radiofônico.
Além de todos esses projetos é verdade que você vai lançar um CD solo?
Sim. Tomei vergonha na cara e coragem!
Você vai cantar ou será instrumental?
Vou cantar, é claro! Mas não quero forçar a barra. As músicas e as melodias são minhas, então tenho uma intimidade grande com o repertório. Tenho mais ou menos umas 25 músicas inéditas que foram sobrando dos discos do Barão ao longo dos anos. É bem variado, porque eu não sou um músico só de rock, isso é uma coisa que eu gostaria que as pessoas descobrissem com o CD. Tem bolero, samba-rock, baladas, roquenrou e misturas que farei dos ritmos regionais com o pop. Quero um disco de colagens em que o ouvinte possa ter intimidade com as minhas virtudes e fraquezas.
Fui criado no Andaraí, bairro em que fui morar em 1968, na área do samba. O primeiro disco que comprei com a minha grana, foi do Martinho da Vila, então eu tenho uma coisa misturada com o samba que sempre esteve oculta, que é forte em mim e que eu quero mostrar, fazer essa fusão.
Também tem a coisa das letras, de assinar um disco inteiro. Nunca tive essa audácia e oportunidade. No Barão, acho que o disco que tem mais letra minha é o “Supermercados da Vida”. Se eu não me engano são seis músicas que eu assino. Normalmente a minha média são duas, três, nunca entrou mais do que isso, e o meu volume de composições é grande e pouco utilizado. Sou um compositor quase virgem, nunca fui gravado por ninguém de peso exceto pelo Barão Vermelho. Agora eu quero mostrar minhas vísceras e dar a minha cara à tapa.
Você pretende lançá-lo numa nova pausa do Barão?
Não, vou lançar assim que ficar pronto. É um projeto paralelo porque também não tenho expectativa de fazer show, não sei nem se teria coragem (risos). Quero gravar, porque estou numa idade importante. Quando você faz 40 anos, tudo que precisa fazer você vai lá e faz. A prioridade é você e o seu tempo está começando a encurtar.
Tenho que fazer esse disco pra ver qual é a minha onda. Vai ter muita coisa parecida com o Barão, tenho certeza. Sou Barão Vermelho na alma, no DNA, não tem como camuflar e nem negar isso e eu também nem quero.
O CD vai servir também como um portfólio para as minhas composições. Espero que o Barão queira regravar todas elas.
Com que idade, como e quando você descobriu que queria ser músico?
Me lembro muito bem do dia em que eu, o Maurício e o Paulo Henrique (PH do Fama), que eram meus colegas de colégio, fizemos uma roda e de mãos dadas decidimos ser músicos. Ainda não sabíamos tocar, mas o nosso sonho adolescente estava perpetuado ali para sempre e aquela vontade já atravessou quase três décadas.
Comecei a gostar de shows ao vivo com 15 anos, quando fui ver Pepeu Gomes (Geração de Som) com uma amiga do colégio Jacobina. Estava no 1º ano científico. Fiquei maluco! As aulas de Matemática perderam a graça e a voz dos professores ficaram muito distantes do que eu queria... Aí minha mãe ficou puta porque eu não trabalhava, não estudava direito e queria ser músico!
Vi o Jorginho Gomes, o Gustavo Schroeter do grupo A Cor do Som, e Moraes Moreira, na época do disco “Alto Falante”. Ia pra vários lugares atrás dos caras, assim como a Laura, a Flávia, a Moema e o Léo fazem pra ver o Barão.
Um dia minha mãe me chamou e perguntou se eu queria estudar bateria. Fui feliz da vida para os seminários de música na Pró-Arte, onde fui recebido pelo Joca Moraes, professor de bateria da escola e que também deu aula para alguns outros bateras conhecidos como o Kadu (do Kid Abelha) e o Celso Alvim (Pedro Luís e a Parede e Monobloco). Aí sim eu comecei a tomar o rumo certo.
Você passou por algum problema com os seus pais quando disse que queria ser músico?
Passei um pouco sim. Minha mãe era professora universitária, com formação acadêmica e bastante distante do universo musical. Após inúmeras cobranças com relação ao meu comportamento na época, de matar aula, dormir até meio-dia, nunca fazer o dever de casa e ainda tocar bateria num apartamento de dois quartos em Botafogo, resolvi que era a minha hora de cair fora. Tinha 19 anos, nenhum puto no bolso e era feliz pra caralho. Só queria tocar e ralar a minha gata da época, que era a mãe do André, meu primeiro filho.
Fale um pouco sobre os altos e baixos do Barão.
Todo mundo acha que a carreira do Barão é muito bem sucedida, mas financeiramente metade foi muito boa e a outra metade não. Tiveram momentos muito difíceis no início até a gente se colocar. Passamos por problemas que toda banda iniciante passa. Levamos várias vezes bateria e amplificador no ônibus.
Essa profissão é muito doida. A gente não tem patrão, depende exclusivamente da inspiração e da vontade de estudar e praticar o nosso instrumento para melhorar. Temos que dar graças a Deus por ter alguém que quer te ouvir.
Quando você lança um álbum novo, fica otimista que aquilo vá dar super certo, mas às vezes a real é outra, a gravadora não faz um bom trabalho ou o próprio mercado está fechado para o seu segmento de música. Em 1995, me lembro que a rádio Cidade não tocava “Meus Bons Amigos” por que era rock e eles estavam ficando dance, mas agora ela é a rádio do rock de novo.
A barra pesou mesmo foi com a saída do Cazuza. Nós fomos ao fundo do poço e voltamos ao topo por merecimento próprio. Tinha disco de ouro na parede e zero cruzeiros no bolso, já com mulher e filho de quatro meses pra criar. Pegava meu rango na casa da Dona Ivone, mãe de um amigo meu, que lotava uma marmita ótima que eu tinha e, como o esposo dela, Seu Valdir, trabalhava na feira, ela me enchia de frutas para eu dar pro André, que ainda era um bebê. Dessas coisas a gente não pode esquecer e nem ter vergonha. Obrigado por tudo Dona Ivone.
Qual o motivo da saída do Dé?
O Dé saiu porque achava que o espaço dele no grupo era pequeno demais e também porque não gostava muito de rock, curtia mais era a rebeldia de ser roqueiro. Ele fala numa boa, “Guto Goffi, eu odeio rock!”, aí eu digo, “mas o rock te ama!”.
O Dé sempre foi Vila da Penha, um lance meio Prince do subúrbio, meio Jimmy Hendrix, chorinho misturado com rock. Ele é muito talentoso. Na época da sua saída, ele estava com umas 9 ou 10 músicas inéditas muito boas. Tinha uma parceria com o Cazuza chamada “Empada com Birita”, outras com o Sérgio Brito dos Titãs... Ele achava que o CD “Na Calada da Noite” ia ter essas músicas. Só que eu e o Frejat também tínhamos um monte de músicas, aí na hora da seleção ele se sentiu um pouco desprestigiado e falou que ia sair fora, “vou sair, vocês não gostam de mim, eu não tenho espaço aqui e vão pra puta que os pariu!”.
O Dé é um pouco metido a estrela. Numa ordem de grandeza de vaidade, depois do Cazuza, o Dé era o mais vaidoso.
A gente já ouviu muito o Frejat falar de como ficou a relação dele com o Cazuza após a saída dele da banda. Mas e a relação dele com você, como ficou? Vocês logo voltaram a se falar ou foi um processo demorado?
Na verdade, o Frejat sempre foi o parceiro mais querido dele, mas nós cinco éramos muito amigos. A gente saía juntos todos os dias. Íamos pro Baixo Leblon encher a cara, íamos à praia de manhã pra tirar a ressaca e ensaiávamos à tarde. Era essa a nossa vida no início do Barão. Passamos vários anos assim. Quando ele saiu do Barão, ficamos seis meses sem notícias dele e vice-versa. Cada um encontrou a sua turma e depois, aos poucos, voltamos a uma convivência normal. Nos encontrávamos na noite, ele chamava pra ir à casa dele. Amizade é um bem durável, mas tem que renovar o prazo de validade.
Tem um lance que quero publicar no livro do Barão, uma carta que eu fiz pra ele, acho que em 1988, época em que eu estava meio descaralhado, quando comecei a viajar na onda do disco “Carnaval”. Nós nos desentendemos e ele reclamou comigo que eu estava falando muita loucura e passando dos limites em certos assuntos. Aí fiz uma carta de próprio punho e mandei uma cópia pra ele. Até hoje não tenho a certeza se a carta chegou até ele. A Lucinha era sua guardiã e selecionava o que devia ou não chegar a ele, então nem sei se ele recebeu. A carta é maneiríssima, outro dia eu a li e adorei!
O Cazuza tinha uma relação boa comigo, me dava força. Quando ouviu as músicas do “Na Calada da Noite”, adorou. Se amarrou na letra de “Sonhos Pra Voar” e de “Tão Longe de Tudo”. Nunca falou muito aberto, mas deu o aval pra eu meter bronca. Depois o Orlando Morais comentou comigo que, no hospital, ele tinha dito que as letras do Barão estavam muito legais e que via poesia em minhas letras.
Uma vez, eu e o Dé fomos na casa dele viajando de ácido. Ficamos lá a tarde inteira. Cazuza já tomava o tal AZT e nós viajando de ácido, mas não contamos pra ele. Quatro ou cinco horas depois, quando contamos que a gente estava doido, ele ficou puto, “vocês tomaram ácido, filhos da puta, e vieram aqui curtir com a minha cara? Vão tomar no cú!” A gente já estava lá há horas! Ele não podia mais usar drogas e ficava puto com os que ainda tinham direito e se permitiam a tal ato!
O que seria do Barão se o Cazuza tivesse permanecido no “Declare Guerra”?
Se o Barão não tivesse mudado de formação, teria sido o maior grupo de todos os tempos do rock mundial, tranqüilamente. Eram muitas idéias, o nosso conjunto era muito bom, as músicas não pareciam prato requentado de ninguém.
O Cazuza não era um artista de se acomodar, isso é uma coisa muito importante na arte, a pessoa estar em eterno movimento. Ele era foda nesse ponto! Acho que os filhos únicos são sempre insatisfeitos com o que tem. Ele era um cara que ia se contradizendo o tempo todo e forçando essa mudança na cabeça de todos. Uma pessoa muito ativa, inquieta e super careta ao mesmo tempo, conservadora no íntimo da alma.
Numa ocasião descrita no livro “Só As Mães São Felizes”, em que o Cazuza não aparece no aeroporto para viajar com a banda para uma entrevista em São Paulo, o Frejat reclama com a Lucinha, que diz ter dúvidas se a banda chegaria onde estava se não fosse pelo Cazuza. Qual a sua opinião sobre esse comentário?
Honestamente, acho que na vida só acontecem as coisas que têm que acontecer. O que eu posso dizer é que o Barão sempre foi uma estrela de cinco pontas iguais. Todos ali, da formação original, tinham idéias próprias, universo próprio, poesia própria, musicalidade própria. Por isso que eu acho que, hoje em dia, todos do grupo deveriam fazer um disco solo, porque num grupo alguns integrantes acabam ficando muito camuflados.
A imprensa elege o líder e o povo acredita. Quando o Cazuza saiu, ninguém acreditava no Barão a não ser nós mesmos. Trocamos o nosso cantor, que era espetacular, o melhor poeta que este Brasil já conheceu, e seguimos em frente, sem o cantor que, segundo a Lucinha, seria o motivo do Barão Vermelho fazer sucesso.
O Frejat teve o apoio de base que precisava, embora o Maurício tenha ficado triste de não ter sido o escolhido para cantor após o nosso karaokê interno.
O Barão sempre foi uma moldura musical, um tipo de embalagem pra viagem do nosso recado. Quem descobriu o Cazuza como talento musical foi o Barão Vermelho. Foi Guto Goffi, Maurício Barros, Roberto Frejat e Dé. Ele tinha vergonha de cantar, de mostrar as letras. Nós fomos as primeiras pessoas a curtir o que ele tinha pra dizer.
Na primeira vez que a gente tocou junto, rolou um negócio muito mágico. Quando acabou a música, ficou claro pra nós cinco que o grupo estava pronto para ir em frente por muitos anos. A identificação foi muito forte e imediata. Aquele encontro tinha que acontecer!
O sucesso do filme sobre o Cazuza ajudou na volta do Barão?
Foi muito bom. É impressionante como a galera de 14, 15 anos se espelhou no filme como modelo de comportamento. Os pais também foram ver para descobrir a forma ideal de educar e de se comunicar com os filhos, de segurar essa época da adolescência que é a fase mais explosiva, em que você está indo busca da sua vida, da sua experiência. Acho que o filme ajudou muito. Apesar da parte musical do Barão ser mostrada muito mais verde do que nós realmente éramos na época. A gente era verde, mas era um pouco melhor do que como o filme nos registra. Mas eu não me liguei muito nisso.
O lance está todo centrado nele. Acho que o criador Cazuza, de certa forma, não aparece muito. Não me lembro de nenhuma cena dele escrevendo na máquina de escrever. Ela era o objeto pessoal dele, o tempo todo ele tava na máquina escrevendo e, no filme, não me lembro de ter muito isso.
Tem ele saindo com os amigos, subindo na ponte, freando o carro, querendo se jogar de não sei de onde, ficou muito só na maluquice. Mas o filme tem uma coisa linda que é a hora em que termina. Ele acaba na hora certa. Ali era um momento em que ele já sabia que tava se despedindo da vida, mas ainda ia à praia, mergulhava com um cara segurando ele. Depois as cenas dele em Ipanema, na adolescência, aquilo é muito bom, você fica com a imagem dele vivo. O filme me surpreendeu nisso, eu saí alto astral pra caramba. O que eu gostei também foi que a fase do Barão foi a fase mais feliz da história dele, pelo menos no filme isso fica claro. Éramos irmãos unidos, isso o fortalecia muito. Ele queria muito ter um irmão. Aquilo era um escudo contra todos os males do mundo. A partir do momento em que ele perdeu os irmãos, de sua convivência quase que diária, a imunidade dele caiu na hora. Ele ficou doente uma ou duas semanas depois de deixar o grupo.
Eu e o Frejat vimos o Cazuza num hospital de São Paulo, um ou dois dias antes dele morrer. A Lucinha ligou pra gente e disse “ele está morrendo, venham vê-lo e se despedir, venham aqui”. Nós fomos. Isso foi uma coisa que me chocou pra sempre... A sua imagem... Até que ponto esse rapaz lutou pra ficar vivo... (Guto fica visivelmente emocionado)
O que você achou do recém-lançado CD “O Poeta Está Vivo – Ao Vivo no Teatro Ipanema 1987”?
Ouvi na casa do Ezequiel outro dia. Adorei! Muito bom, excelente! O som nem é tão legal, mas o Cazuza estava no auge da fúria. O Ezequiel falou que ele tinha recebido a notícia que estava com Aids uma semana antes da estréia. Ele disse que o Cazuza tava um “bicho humano uivando”. Ele estava foda nesse show, cantando pra caralho e com aquela urgência de ganhar ou ganhar, não tinha mais tempo pra perder. Muito foda!
Li uma entrevista em que a Lucinha falava que a Sociedade Viva Cazuza está com problemas financeiros. Existe a idéia de vocês fazerem algum show ou evento para ajudar a Sociedade?
A gente sempre ajudou a Sociedade Viva Cazuza. Quando ganhamos os Prêmios Sharp, os cheques dos prêmios nós sempre mandamos pra lá. Abrimos mão de todos os direitos de imagem do filme do Cazuza, cedemos todos os direitos para a Sociedade. Não sei o que mais poderíamos fazer. A gente já ajuda bastante.
Gostaria muito de ajudar o Retiro dos Artistas, que vem tendo uma administração brilhante do Stephan Nercessian. Sempre penso que um dia, lá poderá ser a casa de todos nós músicos, artistas e criadores, afinal, no nosso Brasil, ninguém está garantido de porra nenhuma!
Como é a sua relação com a Lucinha hoje em dia?
A minha relação com ela é normal, educada. Eles são legais, o João Araújo é uma pessoa maravilhosa. Não temos nenhum problema. Sempre que me pedem alguma coisa relacionada ao Cazuza e ao Barão, eu topo. Até para o filme, gravamos horas de entrevista, embora nada tenha sido bem aproveitado no roteiro, que acabou ficando em cima do livro “Só As Mães São Felizes”. Sempre que me pedem alguma coisa, até para cessão de direitos autorais, eu colaboro. Acho muito importante esse trabalho de ajudar portadores do vírus HIV, e no caso da Sociedade Viva Cazuza, ajudar diretamente as crianças.
Com quem você tem mais afinidade de composição no Barão?
Na verdade adoro compor com todos eles. Sou parceiro do Peninha em “Carne Crua”, do Rodrigo em “Cara a Cara” e do Fernando em “Meus Bons Amigos”. Com o Maurício eu tenho um lance muito foda. Acho que temos em torno de umas 10 músicas juntos. Nossas músicas são boas e fortes. Minha única implicância com ele é a mania de perseguir o hit perfeito, o que às vezes margeia o universo do jingle. Acho careta fazer uma música e já ficar imaginando o isqueirinho aceso. Definitivamente não componho pra isso. Componho para me esvaziar de tudo que vejo, sinto e armazeno, na cabeça e no coração.
Com o Frejat já vivi o meu oásis também! Desde “Torre de Babel”, “Declare Guerra” e “Pense e Dance”, que foram as nossas primeiras parcerias, até as mais complexas como “Sonhos pra Voar”, “Flores do Mal” e “A Máquina de Escrever” onde, na minha opinião, a nossa criatividade atingiu a maturidade.
Sempre me deu muito prazer fazer músicas com o Frejat. O tenho chamado bastante pra compor, mas ele tem estado muito ocupado. Outro dia passei uma letra para ele musicar, chamada “A Carne da Boca”, letra em parceria com o Mauro Stª Cecília. O Frejat fez a música em Mococa, interior de São Paulo. Eu adorei, já fazia tempo que ele não me chamava para escutarmos juntos uma coisa nossa. Ele também não compunha há um tempo e ficou feliz com o novo filho. A gente faz músicas muito boas juntos.
Nesse trabalho novo do Barão fizemos umas três ou quatro com a Rachel Hernández, minha primeira companheira e mãe do André, meu primeiro filho. Ela escreve muito bem e foi, na verdade, quem me incentivou a escrever. A letra de “Flores do Mal” (1988) é pra ela e foi meu primeiro sofrimento explícito de amor. Primeiro você aprende a sofrer, depois a escrever.
Me senti durante um bom tempo meio preterido no Barão. Comecei a achar que os meus amigos não curtiam a minha poesia, o que de certa forma me tirou o estímulo de produzir para a banda. Fui cuidar da Maracatu Brasil, me envolvi com números, notas fiscais, impostos e a poesia fugiu de mim. O que me fez voltar a mil, com vontade renovada de escrever e fazer músicas novas, foi o jornalista Rodrigo Pinto, o Big Rô do O Globo Online, que me disse que eu era o letrista preferido dele após a saída do Cazuza do Barão. Ele disse que eu não deveria deixar de lutar pelo meu espaço de letrista e que ajudasse a dar mais qualidade às letras do Barão.
Não guardo nenhuma mágoa por ter ficado esse tempo adormecido. Acordei muito criativo e estou disposto a deixar a minha poesia me comer vivo.
Como ocorre a escolha do repertório para um disco? Há interferência da gravadora?
A escolha é difícil. Nós que fazemos, num processo democrático que é o seguinte: a gente grava tudo, voz e violão, com o Frejat cantando. Todo mundo ouve aquilo junto, com a letra na mão, mas sem o autor da música explicitado para não influenciar na decisão. Depois rola a votação, sim e não, qual música que pra cada um estaria no disco ou não. Aí a gente conta os votos.
Não acho que essa seja a forma mais correta de seleção. O ideal seria nos envolvermos mais com as músicas. Na verdade, gostaria que o meu grupo ensaiasse todos os dias e que fizéssemos uma nova canção toda semana. É muito difícil chegar a um formato ideal de seleção.
Tem algum disco que você achava que ia emplacar e não emplacou?
Tem. Na verdade, o músico nunca tem a idéia real de como está o mercado e se alguém, além da gravadora, está interessado no seu trabalho. Um disco nosso que vendeu muito pouco foi o “Rock’n Geral”. Fizemos com o Liminha. Na época, todos os discos que ele fazia viravam disco de ouro e no caso do Barão vendeu 10 mil cópias, acho.
O “Na Calada da Noite”, apesar de ser um discaço e de três músicas terem tocado nas rádios, vendeu 85 mil cópias. O “Supermercados da Vida” vendeu umas 70 mil, menos do que merecia. Na época, o presidente da Warner Sérgio Afonso, prometeu que cortaria o próprio pau se não desse um disco de ouro pra gente com esse disco. Não vendeu, mas calma, ele continua com a sua arma!
O potencial dos discos sempre foi maior do que a gravadora conseguiu extrair. É difícil isso... Nesse último disco, por exemplo, o que vai ficar para o público é “Cuidado” e “A Chave da Porta da Frente”. Não acho que essas duas músicas representem o disco todo.
Qual música e CD você gosta mais?
O melhor CD do Barão pra mim é o “Na Calada da Noite”. Tem roques bons, letras maduras e musicalidade apurada. Ali a gente tava com vontade de inovar.
O Barão também tem um disco importante pra caramba que é o “Carnaval”. Não é nem o meu predileto, mas foi um disco em que ou a gente respirava ou morria.
O “Declare Guerra” é importante também porque a gente tava recomeçando tudo.
O “Maior Abandonado” é fantástico, apesar de não ter nenhuma música minha, e nem precisava, pois são todas maravilhosas. É um disco todo Jagger e Richards, Cazuza e Frejat. É muito forte por isso, tem uma coesão que é importante. Gosto quando uma, duas ou três pessoas fazem um disco. O “Na Calada da Noite” foi assim. Eu, Frejat e Dé montamos tudo, a concepção, as músicas, os arranjos. A gente tava unido em compor junto, ouvir o repertório um do outro.
Quanto à música que mais gosto, hoje vou escolher “Certo Dia na Cidade”, minha primeira parceria com o Maurício e o Cazuza.
Qual música e CD você gosta menos?
Uma letra que não acho muito boa é a de “Quem Você Pensa Que É?”. É uma idéia que poderia ter sido melhor resolvida, mas a música é muito boa. Nunca curti muito também “Linda e Burra”, que o Maurício cantava no disco “Declare Guerra”. “Desabrigado” também não tem uma letra que eu goste. Mas a letra que eu menos gosto é a de “Círculos, Loops e Repetições”, parceria de letra minha com o Mauro Santa Cecília e o Frejat, que também tentou salvar mas...
Antes do Barão voltar a atividade, ouvi todos os discos em seqüência cronológica e o CD que mais me incomodou e que me pareceu o mais careta foi o “Álbum”. Apesar de ter sido um grande sucesso, com canções do Luiz Melodia, Caetano Veloso, Raul Seixas, Carlos Imperial, Eduardo Araújo, Ângela Rô Rô e tantos outros, achei o disco mais distante do que é o Barão Vermelho e o seu conteúdo poético.
Vocês tinham expectativa de que o “Álbum” fosse um sucesso ou foi um projeto despretencioso?
A gente não tinha botado muita expectativa não. Tínhamos um disco pra terminar nosso contrato e pensamos “não vamos botar música nossa não. Os caras da gravadora toda hora pedem músicas novas e dão na trave.” Na verdade, a grande sacada daquele disco não foi só ter músicas de outros intérpretes, mas também a faixa interativa que era uma inovação na época. Foi o primeiro CD nacional a vir com entrevistas e uma navegação randômica. Isso fez o Barão ir para as páginas de todos os jornais, cadernos e revistas de informática. O estouro do “Álbum” nos surpreendeu e nos fez acreditar que o Barão Vermelho era uma voz, um jeito de interpretar grandes sucessos, fazendo uma releitura original e digna de ser tocada pelas rádios, sem gosto de comida requentada.
Qual foi a motivação da banda para gravar o “Puro Êxtase”?
O “Puro Êxtase” é um disco antagônico porque não era vontade de todo grupo soar moderno. A idéia partiu mais do Frejat e do Maurício. O Maurício achava o Barão cafona naquela fase do “Carne Crua”. Na verdade, a gente estava mais defasado no visual do que no som em si.
Quando a gente foi gravar esse último disco, o motivo de eu ter implicado com o Maurício no início e pedido pra ele não participar dos arranjos e dos ensaios, foi justamente porque ele tinha essa implicância de achar que o rock mais cru é cafona, que o Barão tocando roquenrou poderia soar ultrapassado. E não tem nada a ver. Quando você faz uma coisa com verdade, atropela o tempo, a estética, derruba preconceitos... Pode ver que esse disco tem uma sonoridade bem mais rock.
O Maurício realmente tem uma cabeça muito moderna, é um super músico, um puta produtor, mas eu tinha medo dele levar a sonoridade do disco mais pra próximo da sonoridade do disco solo do Frejat, do qual ele foi produtor. A banda fez muita força pra fazer uma coisa antagônica, embora tenham músicas que são a cara do trabalho solo do Frejat como “Pra Toda Vida”.
Rock é bateria, guitarras, viradas, alopração! Rock é descontrole! O lance do Frejat é mais cerebral, racional, controlado.
Haverá mais alguma música de trabalho desse último álbum?
Não, a Warner mandou "fechar o caixão".
O que houve com o clipe de “A Chave da Porta da Frente”?
Ele foi gravado em São Paulo, num lugar legal, mas a Warner contratou uma firma para captar a imagem e o som sem um diretor que tivesse uma estética. Foi mal filmado, o Frejat estava mal enquadrado, tinha problema de luz que deixava a gente com olheiras. Ia passar na MTV, mas nós mesmos vetamos. A gente já tem muitos clipes ruins, mais um não dá!
Como você avalia os clipes do Barão?
A gente tem uns clipes que eu fico puto! O “Por Você”, por exemplo, é tão estranho... É um clipe que não é nada. O diretor tinha uma câmera na mão, teria que ter uma boa idéia e não conseguiu ter idéia nenhuma. Eu fico indignado quando vejo essas coisas acontecerem. Quando vi esse clipe editado, me bateu uma depressão e eu pensei “o que é Por Você? O que é a história da música?”. É aquele cara que faz tudo pela mulher. Aí lembrei da história do Super Homem, que quando a namorada Louis Lane morre, gira a Terra ao contrário e faz o tempo andar para trás para salvá-la. Era esse o mote, mas já era tarde.
E o DVD de clipes vai sair mesmo?
Vai sair depois do Ao Vivo, com uns 25 clipes. O Barão é inédito em DVDs e o marketing tem que ser todo em cima do Ao Vivo. Depois dele, virá a videografia, mas que não terá todos os clipes. Fiquei muito triste. Achei que fosse ter o “Declare Guerra”, o “Menina Mimada”, que nunca foi ao ar, mas a Globo perdeu do arquivo.
O “Declare Guerra” era muito engraçado! Éramos nós num barquinho com mar de Fellini (plástico) em volta. Hilário! Os clipes do Barão tinham humor no início, mas depois perdeu não sei por quê. O “Maior Abandonado”, o “Rock do Cachorro Morto” e o “Eu Queria Ter Uma Bomba” eram muito engraçados.
Deve sair também o DVD do “Balada MTV”. Já o Acústico, acho que não, porque pra mim a gente tinha que fazer um outro e botar aquele como bônus. O Barão é um grupo que com a obra que tem, com a quantidade de músicas e com os recursos que temos pra tocar, se não fizermos um acústico vai ser uma sacanagem.
O “Carne Crua” e o “Rock in Rio” também devem sair em DVD.
E o livro do Barão, vai sair?
Vai. Consegui um aliado muito forte que é o Ezequiel Neves. Fui na casa dele na última semana, falei pra ele que queria fazer o livro, mas disse que ou eu faria sozinho ou só aceitaria dividir com ele. Ele ficou super feliz. A gente vai convidar um amigo nosso, do Globo, um jornalista que é super próximo ao Barão, o Rodrigo Pinto, o Big Rô. Espero que ele aceite também. Ele escreve muito bem.
Vou escrever tudo que puder em um mês e pouco e entregar para o Rodrigo. Aí não sei como vai ser. Gostaria que fosse na primeira pessoa porque, na verdade, queria começar o livro contando um pouco da minha história e do Maurício no colégio Imaculada, começando a se interessar por música, com aquele sonho de fazer um grupo de rock. Já tínhamos uns amigos que tocavam, algumas bandinhas formadas... A gente fez o Barão a partir disso.
Queria que as pessoas pegassem que o Barão teve uma outra formação antes da original, que era eu, o Maurício, um amigo nosso no baixo chamado Cláudio Kayath, e um outro cara na guitarra chamado Tony Roqueiro. Era um quarteto. A gente ensaiou umas duas semanas e vimos que não eram os caras que idealizávamos. Eles eram ótimos, mas não era a galera que a gente tava procurando. Depois é que pintou o Dé, que foi o terceiro a entrar, depois o Frejat e o Cazuza por último. Eu queria passar essa coisa, da gente adolescente, começando a sonhar com música sem tocar porra nenhuma ainda, mas já com aquele fetiche de ser um astro do rock, essa coisa bacana que eu acho que todo o adolescente passa.
Serão 25 anos de recortes e fotos de toda a nossa trajetória, coisas que guardo há anos e que vão realmente emocionar os nossos fãs, como a capa do livro que por mim será um cartaz feito pelo Cazuza em 1981, para o nosso primeiro show no Circo Voador.
Mas você vai ter ou já teve algum papo com o resto da banda, porque escrevendo o livro em primeira pessoa vai acabar sendo uma visão sua dos fatos...
Aí é que eu acho que vai ser importante entrar o Rodrigo (Pinto). Fiz umas entrevistas há dois, três anos atrás com o Maurício, o Ezequiel e o Fernando. O Frejat não lembro se entrevistei. Foram umas três ou quatro entrevistas. Nessa época, cheguei a escrever dois capítulos, mas não continuei porque estava meio aborrecido com a relação de amizade entre os Barões. O Frejat, eu e o Maurício... Estava uma coisa meio esquisita na época. Aí pensei “se eu for escrever essa merda agora, vou deixar escorrer mágoa”, que é uma coisa que eu acho que não tem que ter. Como a volta agora foi muito boa e está todo mundo bem, em paz, acho que é um momento legal. Será um livro divertido como toda biografia de rock deve ser, ainda mais se tratando de Barão Vermelho.
Como vocês escolheram o repertório da atual turnê?
A gente escolheu o repertório tentando favorecer tudo o que tinha muita expressão ao longo do tempo e que os fãs que acompanham a banda desde o início não se sentissem frustrados ao sair do show. Mas pra quem é muito fã é claro que faltam coisas. A gente teria que tocar umas 45 músicas!
A idéia de colocar a intro de “Amor de Irmão” no início do show da turnê foi uma forma de representar o “Rock´n Geral”, único álbum que não tem uma música no set list?
Não, foi uma forma de esquentar a platéia até a gente entrar, de mostrar a gente ali fora. Foi uma idéia do Maurício e tem frases de várias músicas como “Posando de Star”.
Por que vocês nunca mais tocaram o segundo bis (“Billy Negão”, “Carne de Pescoço” e “Jardins da Babilônia”)?
É, ele tá raro... Rola uma implicância de ter um “Billy Negão”, “Carne de Pescoço”, um rock mais explícito, barulhento. Há um pouco de preconceito. Apesar de que na hora que só tem músicas conhecidas, fica muito balada. Tem hora que a gente tem que explodir o paiol! Às vezes eu tento fazer isso, mas já fui muito mais visceral e chato nesse sentido de ficar exigindo coisas dentro do Barão.
O que você acha de variar o repertório dos shows?
Por 18 ou 20 anos, fui eu quem fiz os roteiros dos shows. Depois parei. Ficava quebrando a cabeça pra fazer uma coisa foda e depois ficava difícil de mexer. Hoje em dia não esquento mais. O Frejat vem com o roteiro e eu digo “valeu”. Não vou mais discutir por isso.
Vocês vão mesmo fazer uma mini turnê pelos EUA ainda esse ano?
Ia ser em julho, mas mudaram para uma data que a gente não podia. Talvez role em setembro. A gente está querendo fazer.
Quantas músicas inéditas haverá no “Ao Vivo”?
A Warner pediu uma ou duas músicas inéditas. Acho que tenho uma música boa pra botar, uma parceria com o Maurício feita na viagem pra Gramado e Porto Alegre. É uma forte candidata. Além do show, que talvez tenha algum convidado, deve ter uma sessão extra, em estúdio, com aquela metaleira que nos acompanhava nas últimas turnês. Aí vamos tocar “Quem Me Olha Só”, “Daqui por Diante”...
O repertório do “Ao Vivo” terá como base o set list da turnê atual?
O show é esse. Deve ter a participação de algum cantor que a gente está escolhendo e a música inédita. Também dou força pra ter um set acústico. Seria legal pra mudar um pouco.
A participação no “Ao Vivo” poderá ser do Ney Matogrosso?
Na verdade, o Ney é o único cara que eu gostaria. Ele foi importantíssimo no nosso início. Sempre ajudou à distância, sem reivindicar nada. Além disso, ele tem muito a ver com o Cazuza, a postura no palco, e é um super cantor. Pra gente seria ótimo. O único conflito é que o tom dele e o do Frejat não são próximos, então ou um canta ou o outro.
Por que os outros CDs ao vivo do Barão foram gravados em São Paulo e esse será no Rio?
Por causa do Circo Voador. Foi uma idéia do Frejat fazer lá, que tem tudo a ver com a nossa história. Começamos ali. O Cazuza vendeu um som pra arrecadar dinheiro pra comprarem a primeira lona do Circo. A gente sempre fazia shows lá de graça, panfletava na praia pra galera ir nos shows. Gravar lá é uma forma de gratidão do Barão com aquela idéia lúdica que era o Circo Voador e que fez a arte no Rio de Janeiro mudar. O Circo transformou uma geração, mudou a vida de milhares de pessoas.
Qual a história mais engraçada que já aconteceu com você e/ou com a banda?
Já aconteceu tanta coisa! Comigo foi quase uma tragédia, mas no final foi engraçado. Em Goiânia, a gente subiu no palco pra tocar, a luz apagada, o cara anunciou o show, aí eu fui dar um passo pra trás e caí lá de cima, de uma altura absurda de uns 4 metros. Foi uma queda foda! A sorte é que eu caí certinho no chão. Comecei a mexer o dedo do pé, a mão, achei que tinha ficado paralítico!
E teve show mesmo assim?
Teve. Chorei nas três primeiras músicas e depois do show fui para o hospital. No dia seguinte parecia um velho, todo quebrado! Eu não cancelo show por besteira não. Já fiz show com pneumonia e o caramba, no Sul. Tocava, acabava o show, ia para o hospital, tomava benzetacil e no outro dia viajava. Sou casca grossa!
O que a gente pode esperar do Barão após a turnê do “Ao Vivo”?
Vamos fazer a turnê do Ao Vivo o ano todo. Teremos um intervalo de um mês em agosto de 2006 porque o Frejat vai viajar com o pai dele para o Oriente. Depois disso voltamos normalmente até o verão. Aí então será a hora de botar na balança tudo o que aconteceu e resolver o que vamos fazer. O que está pré-combinado é que a gente dê outra parada, só que às vezes o lance vem tão bom que podemos não querer parar. Isso pode acontecer.
Para encerrar, deixa um recado pra galera que está começando a tocar e fala um pouco da Maracatu Brasil.
A Maracatu é uma escola de música onde a gente tem cursos livres, em que procuro convidar amigos e pessoas atuantes no mercado profissional. A diferença em relação a outras escolas é que os professores aqui tocam em shows, gravam DVD, participam de turnês e gravações com artistas conhecidos. É uma forma de ensinar música e ajudar a profissionalizar quem está interessado em fazer disso uma carreira. Ser músico é uma profissão difícil, mas ter uma orientação legal com pessoas que convivem nesse mercado e fazem parte disso, acho que é o melhor. Você vai ter a direção certa pra se dar bem. Na música, não é só o talento que conta, você tem que ter muita sorte, estrela, musicalidade e disciplina. Então, pra quem quiser conhecer, Maracatu Brasil!