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30 setembro 2010

A palavra seda

Pela primeira vez (entre muitas, espero), posto no blog um poesia de João Cabral de Melo Neto (1920- 1999). O autor nascido no Recife é considerado um dos mais importantes poetas brasileiros.

Seu domínio do ofício poético era notável. Abordava desde temas populares aos textos surrealistas. Contudo diferente de muitos de seus contemporâneos, a obra poética deste autor é marcada pelo rigor estético, onde as confissões íntomas era restritas e as rimas toantes tinham destaque.

Como ilustração do texto de Cabral, segue foto de Wanessa, a bela irlandesa.
Harold



A palavra seda
João Cabral de Melo Neto
A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, de substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza,
que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

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