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11 junho 2009

Um texto de Veríssimo

A crônica que segue foi escrita por Luís Fernando Veríssimo (foto) e tematiza sobre o passado. Foi postada na edição de hoje do blog de Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/06/11/revisionismos-194600.asp). Espero que curtam sua leitura.
Harold


Revisionismos

O passado não é um lugar seguro. Volta e meia aparecem revisionistas querendo mudar tudo, abalando antigas certezas e dizendo que o acontecido não aconteceu, ou não aconteceu bem assim. História, já se disse muito, é versão, mas gostamos de pensar que alguns fatos do passado são fatos mesmo e não interpretações convenientes. Os revisionistas não permitem. A função deles é não deixar o passado em paz. E sugerir que há sempre a possibilidade de uma versão nova para um fato velho.

As repetidas comparações do Obama com o Roosevelt provocaram uma reação nos Estados Unidos, segundo a qual não apenas o Baraca tem pouco a ver com o Roosevelt histórico como o próprio Roosevelt tem pouco a ver com o mito que se formou em torno do seu governo. Segundo a história - ou o mito, para os revisionistas - Roosevelt pegou um país arruinado pelos desmandos de um capitalismo fora de controle durante o governo Hoover, enfrentou os cachorros grandes das finanças e do conservadorismo e, com programas sociais acusados de bolchevistas, subsídios para a produção acusados de anti-americanos e uma mobilização popular acusada de populista e coisa pior - embora fosse um aristocrata - salvou os americanos. Os revisionistas dizem que muitas das medidas contra a crise dos anos 30 já tinham sido tomadas por Hoover, que até agora era o grande vilão da história, que Roosevelt aliou-se aos cachorros grandes, convencendo-os a aceitar seu pseudosocialismo com o argumento que, além de salvar os Estados Unidos, estava salvando o capitalismo, e que no fim sua política intervencionista não estava dando muito resultado. Um adendo inescapável à versão revisionista, nem sempre, compreensivelmente, citada, é que não foi a mobilização do New Deal de Roosevelt que tirou o país da crise, foi a mobilização para a Segunda Guerra Mundial.

O tempo é aliado do revisionismo. Com o tempo os fatos ficam maleáveis, como que mergulhados em solvente. Além de facilmente moldados, adquirem uma neutralidade que os absolve. Faz muita diferença, hoje, saber como o Simonal se comportou durante a ditadura? Se o revisionismo concluir que a única posteridade que ele merece é o de um bom cantor, está sendo justo. Enquanto isto, como a própria ditadura se comportou naqueles anos está posto a salvo de qualquer discussão, revisionista ou não.

Um comentário:

Elisabete De Mello disse...

Se alguém me perguntar se vivi a ditadura responderei que meu professor de piano, meu amado maestro, oficial da polícia militar, sempre uniformizado, cortava as minhas unhas, em represália, para me ensinar a dedilhar notas musicais em seus teclados.